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17 agosto 2008

Exame da prova testemunhal diretamente pelas partes e sua influência do Direito Processual Civil - Alterações ao Código de Processo Penal decorrentes

Exame da prova testemunhal diretamente pelas partes e sua influência do Direito Processual Civil - Alterações ao Código de Processo Penal decorrentes da Lei nº 11.690 de 09.jun.08.

Com a introdução no ordenamento jurídico brasileiro da Lei nº 11.690/08 foi instituído no direito processual penal a possibilidade de que as partes possam inquirir diretamente as testemunhas sem intervenção do juízo, é o que se observa do artigo 212 do Código de Processo Penal com a nova redação conferida pela lei citada: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”

A novidade reside na possibilidade de inquirir diretamente as testemunhas, o que antes somente se verificava com a intervenção do juiz que "encaminhava" as perguntas da parte a testemunha.

A alteração legal acima citada era defendida por notáveis juristas tendo em vista que as perguntas realizadas diretamente as partes traria maior agilidade e confiabilidade na colheita da prova.

Já opinaram neste sentido o Ministro do STJ Sálvio de Figueiredo Teixeira (A Reforma Processual Penal, BDJur): "Concede maior eficácia e agilidade para a instrução em plenário do Júri, instituindo claramente o critério do "cross examination", com as perguntas feitas diretamente às testemunhas e ao próprio acusado, pelo Juiz-Presidente, pelas partes e jurados, - tudo com a necessária atenção aos princípios da imediação e princípio da verdade material;".

Certo é que muitos juizes em varas cíveis e trabalhistas já utilizam, na prática, da inquirição direta de testemunhas, sem que isto configure violação a direitos das partes, ou afronta ao artigo 413 do Código de Processo Civil (Art. 413. O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente; primeiro as do autor e depois as do réu, providenciando de modo que uma não ouça o depoimento das outras.).

Neste sentido, Fredie Didier Jr. já se manifestou quanto a aplicação da nova regra ao processo civil: "Corroborando a lição, as Leis Federais n. 11.689/2008 e 11.690/2008 alteraram o Código de Processo Penal para permitir expressamente a argüição direta das testemunhas pelas partes (arts. 212 e 473 do CPP). Ora, se no processo penal, onde as garantias para o acusado são observadas com ainda mais atenção, permite-se a inquirição direta pelas partes, nada justifica que se mantenha essa formalidade obsoleta no processo civil."

Tenho que a aplicação da inquirição direta das testemunhas no processo civil, além de priorizar a agilidade processual e a eficácia da instrução, tem sua aplicação possibilitada pela prática judicial, tendo em vista que muitos juizes se utilizam de tal forma de inquirição, sem que com isso incorram em nulidades, violação de direitos ou de garantias fundamentais.

Para aqueles que sustentam que a alteração do Código de Processo Penal não geraria efeitos no campo processual civil tendo em vista a existência de regra própria no Código de Processo Civil, torna-se necessário afirmar que a aplicação da nova regra prestigiaria os princípios da celeridade e instrumentalidade processual, podendo-se afirmar que sob o espectro de tais princípios não haveria qualquer divergência na aplicação da nova regra de processo penal.

Curioso notar que enquanto no Brasil o órgão jurisdicional atua de forma quase incessante na colheita da prova, em países como Estados Unidos da América e Espanha a realidade é outra.

José Carlos Barbosa Moreira (Temas de Direito Processual, Nova Série, Editora Saraiva, Rio de Janeiro, 2007, p. 43) narra o seguinte: "Aos advogados norte-americanos de modo nenhum lhes agrada que o juiz, participando ativamente da colheita das provas orais, 'roube' a cena de que desejam ser, eles próprios, os protagonistas."

Ainda para Barbosa Moreira (Idem, p. 45), "uma das chaves mestras utilizadas nessa atividade consiste no procedimento denominado discovery, cuja substância reside na possibilidade, que se abre aos advogados, de pesquisar e explorar fontes de prova fora do âmbito judicial. Compreendem-se nesse poder, v. g., a sujeição do adversário e de eventuais testemunhas a interrogatório sob juramento, sem a presença do juiz, o acesso a arquivos da parte contrária, a realização de exames médicos para determinar o respectivo estado de saúde físico ou mental".

Barbosa Moreira (Idem, p. 48) cita, também, o exemplo da Espanha que na "Exposição de Motivos, nº VI, da nova Ley de Enjuicamento Civil (nº 1, de 2000), lê-se que ela continua a inspirar-se no 'princípio dispositivo', segundo o qual - tem-se o cuidado de explicitar - 'não se entende razoável que incumba ao órgão jurisdicional investigar e comprovar a veracidade dos fatos alegados".

Vale registrar, no entanto, que o tema é sensível, e já não é de hoje, portanto a influência do órgão jurisdicional na colheita direta da prova é tratada de forma diversa tanto em países do sistema civil law como do common law.

Neste sentido, assim já se pronunciou aquele que é considerado por muitos o maior processualista de todos os tempos, Giuseppe Chiovenda (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 3ª edição, 2002, Bookseller, p. 138), para quem a “fim de evitar uma prova confusa e tumultuária, vedou-se às partes e aos procuradores interrogar ou interromper as testemunhas, devendo, para isso, dirigir-se ao juiz da prova (art. 243).

Sendo assim, considerando o modelo processual brasileiro com permissão de excessiva influência do órgão jurisdicional na colheita da prova, e considerando que a possibilidade de inquirição direta de testemunhas pelas partes tornaria a instrução processual mais célere, segura e efetiva, concluo afirmando que a nova regra contida no Código de Processo Penas não só pode, como deve, ser aplicada.

Registre-se que não se trata de advogar a revogação do artigo 413 do Código de Processo Civil, mas simplesmente harmonizar a nova regra contida no Código de Processo Penal ao processo civil, com vistas a garantir maior efetividade a instrução processual.

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Alexandre Lima de Almeida, advogado.

Publicado na Revista Jus Vigilantibus, Quinta-feira, 8 de janeiro de 2009.

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