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18 novembro 2008

Decisão Comentada

Redução do Formalismo Excessivo no Juízo de Admissibilidade

Considerando o juízo de admissibilidade praticado pelos Tribunais Superiores como a análise de “questões prévias ao conhecimento do mérito recursal”1, sempre considerei sua necessidade como filtro para a melhor atuação dos órgão jurisdicionais superiores.

Porém, nunca entendi – ou nunca quis entender – o excessivo formalismo destes Tribunais em criar, a revelia da lei processual, juízos de admissibilidade que vão além do admissível.

Neste contexto, se insere a exigência de certificação de veracidade do voto divergente ou de peças obtidas na internet.

Sendo assim, não é difícil se deparar com inúmeras decisões do STJ e do TST em que se exige tal certificação, caso contrário se considera deficiente o instrumento para negar conhecimento ao agravo.

Trata-se, evidente, de formalismo excessivo frente as modernas técnicas de obtenção de cópias de documentos introduzidas pela internet como ferramenta de aproximação, inclusive, do Judiciário a população destinatária final a atividade jurisdicional.

Assim, não pode o judiciário fomentar a utilização da internet fornecendo ao mais simples cidadão a possibilidade de acompanhar seu processo, obter cópia de peças contidas neste processo, permitir aos advogados das partes o peticionamento eletrônico, para, ao final, negar conhecimento a recurso, uma vez que não há certificação de, por exemplo, um acórdão inserido em página da internet de outro Tribunal.

Sobre o Juízo de admissibilidade, vale citar José Carlos Barbosa Moreira2:


“para usar palavras mais claras: negar conhecimento a recurso é atitude correta – e altamente recomendável – toda vez que esteja clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na dose; por exemplo, arvorando em motivos de não-conhecimento circunstâncias de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento.”


Carlos Alberto Alvaro de Oliveira3,, professor titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em seu artigo intitulado “O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo” leciona que:

“o formalismo excessivo deve ser combatido com o emprego da equidade com função interpretativa-individualizadora, tomando-se sempre como medida as finalidades essenciais do instrumento processual (processo justo e equânime, do ponto de vista processual, justiça material, do ponto de vista material), e os princípios e valores que estão a sua base, desde que respeitados os direitos fundamentais da parte e na ausência de prejuízo.”

Para arrematar, Giuseppe Chiovenda4 nos ensina que:

“Muitas formas são o reflexo das condições sociais e políticas da época; muitas, porém, constituem resquício de sistemas antigos, que se transmitem por um apego, por vezes justificável, por vezes desarrazoado, à tradição, e pelo espírito conservador que domina a casta forense, como toda classe que se educa numa longa preparação técnica. A isto acresce o prejuízo oriundo da aplicação que se faz das formas, não raro com espírito litigioso e vexatório, ou ainda mais por espírito caviloso e formalístico, alimentado pela medíocre elevação e cultura das pessoas chamadas a utilizá-las. Eis aí por que a história das leis e dos costumes forenses nos oferece eterno contraste entre o sentimento da necessidade das formas e a urgência de que as justiça intrínseca, a verdade dos fatos no processo não venha a sacrificar-se a elas; entre a necessidade da presteza nas lides e a de uma cognição e de uma defesa completas.”

No entanto, não me parece que seja o único intrigado com o dito formalismo excessivo.

É que o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão unânime da Terceira Turma, decidiu afastar tal formalismo excessivo quanto a certificação de peças obtidas na internet e assim conhecer de agravo de instrumento, vejamos:

“RECURSO ESPECIAL Nº 1.073.015 - RS (2008/0151790-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : CONTERRA CONSTRUÇÕES E TERRAPLENAGENS LTDA
ADVOGADO : CICERO DE QUADROS PERETTI E OUTRO(S)
RECORRIDO : EUNICE CEZAR
ADVOGADO : KAREN ESPINA DE LIMA E OUTRO(S)
EMENTA
Processual Civil. Recurso Especial. Agravo de Instrumento. Cópia da decisão agravada sem assinatura do juiz, retirada da Internet. Art. 525, I, do CPC.
Ausência de certificação digital. Origem comprovada: site do TJ/RS. Particularidade. Redução do formalismo processual. Autenticidade. Ausência de questionamento. Presunção de veracidade.
- A jurisprudência mais recente do STJ entende que peças extraídas da Internet utilizadas na formação do agravo de instrumento necessitam de certificação de sua origem para serem aceitas. Há, ainda, entendimento mais formal, que não admite a utilização de cópia retirada da Internet;
- O art. 525, I, do CPC refere-se expressamente a "cópias", sem explicitar a forma que as mesmas devem ser obtidas para formar o instrumento;
- Os avanços tecnológicos vêm, gradativamente, modificando as rígidas formalidades processuais anteriormente exigidas;
- Na espécie, há uma particularidade, pois é possível se aferir por outros elementos que a origem do documento retirado da Internet é o site do TJ/RS.
Assim, resta plenamente satisfeito o requisito exigido pela jurisprudência, que é a comprovação de que o documento tenha sido "retirado do site oficial do Tribunal de origem";
- A autenticidade da decisão extraída da Internet não foi objeto de impugnação, nem pela parte agravada, nem pelo Tribunal de origem, o que leva à presunção de veracidade, nos termos do art. 372 do CPC, ficando evidenciado que, não havendo prejuízo, jamais se decreta invalidade do ato.
Recurso especial conhecido e provido, para que o TJ/RS profira nova decisão. “
Veja-se, ainda, que as decisões até aqui proferidas para negar seguimento a recurso cujo instrumento, sobretudo acórdãos paradigmas, não apresentem certificação de autenticidade, chocam-se com a atual redação do artigo 365 do Código de Processo Civil, alterado por força da Lei nº 11.419/06 que instituiu o processo eletrônico.

Vejamos os incisos V, VI e o
§ 1o do citado dispositivo:

"Art. 365. Fazem a mesma prova que os originais:


V - os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem;

VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.

§ 1o Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação rescisória.



Ademais, considerando o princípio da instrumentalidade, não há que se falar em invalidade de peça extraída da internet sem certificação quando esta atingir sua finalidade, sem, muitas vezes, haver impugnação pela parte contrária, ou seja, sem haver manifesto prejuízo.
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1 Marinoni, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel; Repercussão Geral no Recurso Extraordinário, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, p. 32.

2 Temas de Direito Processual, Editora Saraiva, São Paulo, 2007, p. 270.

3 Leituras Complementares de Processo Civil, Organizador Fredie Didier Jr., Editora Podivm, Bahia, 2008.

4 Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, Bookseller Editora, São Paulo, 2002, p. 6/7. Tradução do original Italiano “Instituzioni di Diritto Processuale Civile” por Paolo Capitanio.
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Alexandre Lima de Almeida, advogado.
Publicado no site Jus Navigandi em novembro de 2008.
Publicado no site COAD em dezembro de 2008.

08 novembro 2008

Decisão Comentada

A “bitoquinha” do “mal”!

O Juiz viu o que ninguém quis ver: beijar (ou “bicotar”) não é crime, ainda que seja um beijo roubado, pois, como todos sabem, ainda que não concordem, crime é toda ação ou omissão, típica e anti-jurídica, estando inserida, ou não, a culpabilidade no fato típico.

Além disso, considerando a composição do fato típico, qual seja, a conduta do agente (na hipótese, esta existe), dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, composta pelo resultado, bem como pelo nexo de causalidade, e, sem deixar de observar que a conduta se amolde a um modelo abstrato previsto em lei (tipo), conclui-se que o “bitoqueiro” (decisão abaixo), de fato, não praticou crime, ainda que sua conduta, sob o aspecto moral, seja reprovável, sobretudo por se considerar a voluptuosa vítima narrada na decisão.

Considerando, outrossim, a teoria conglobante de Zaffaroni e Pierangeli, é necessário que a conduta praticada pelo agente seja considerada antinormativa, e não imposta ou fomentada pelo direito, bem como seja ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal, neste caso, maiores os motivos para se considerar correta a sentença.

Considerando tais argumentos, sob a análise processual, poderia se concluir que, desde o princípio, esteve ausente a justa causa para instauração da ação penal, uma vez que ausente tal condição da ação ligada ao legitimo interesse na instauração da ação (ou possibilidade jurídica) apto a condicionar o julgamento do mérito que, segundo a análise acima, não teria sucesso, o que, de fato, não houve, ou seja, desde o princípio, se poderia concluir pelo resultado, qual seja, ausência de lastro probatório mínimo, ou simples possibilidade jurídica, uma vez que não houve prática de crime.

Resultado: Crime é crime.

Beijo roubado é beijo roubado.

Alexandre Lima de Almeida.

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Tentativa de dar uma "bicotinha" no rosto da suposta vítima vira processo judicial



Circunscrição: 1 - BRASILIA

Processo: 2007.01.1.039400-2

Vara: 601 - PRIMEIRA VARA DE ENTORP. E CONTRAV. PENAIS
AÇÃO PENAL PÚBLICA

PROCESSO N.º: 39400-2/07

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO

SENTENÇA

Esse é o relato do insólito episódio de RODRIGO RAMOS DE LIMA acusado de tentar dar uma bicotinha no rosto da suposta vítima e, desse modo, "atentar contra o pudor" da distinta.

Conta a pitoresca acusação que no longínquo 20 de fevereiro de 2006, no interior de um veículo do transporte alternativo a moçoila foi surpreendida pelo inopinado beijoqueiro que, de supetão, não tendo resistido aos encantos da donzela, direcionou-lhe a beiçola, tendo como objetivo certo a face alva da passageira que se encontrava a seu lado.

A "vítima", por sinal uma moçona forte, essa teria reagido e rechaçado a inesperada demonstração de intimidade não existente. Posteriormente, quando ao ser inquirida em Juízo, terminaria por afirmar que deu um tapa no rosto do sujeito e depois o esmurrou por diversas vezes. Além disso, completaria, quando estava na delegacia teria cravado as unhas no pescoço do rapaz e sacudido para impedir-lhe a fuga.

Enquanto a suposta vítima, uma mulher forte e robusta, relatava para os presentes à audiência o ocorrido e gesticulava, mostrando como havia esgoelado o beijocador, todos os presentes à sala acompanharam entre estupefatos e incrédulos o minucioso relato ilustrado com um toque de sadismo. Ouvindo tais pormenores todos se puseram a pensar em quem teria sido a verdadeira vítima no episódio.

Uma testemunha visual do ocorrido completaria o excêntrico relato das proezas de brio e fecunda valentia da moça que não quis o beijo: "- D... reagiu e 'deu muita porrada no sujeito'".

Ao final dos depoimentos este magistrado não resistiu e, informalmente, perguntou para a "vítima" se o sujeito era bonito: " - Dr. se ele fosse um Reinaldo Gianecchini a reação teria sido outra...", ouvi.

Durante a tramitação do processo, percebendo o quão esdrúxula era a peça acusatória, um representante ministerial chegou a postular pela aplicação ao caso do princípio da insignificância (fls. 58/60). A magistrada que me precedeu, contudo, discordou e remeteu os autos ao Procurador de Justiça que, por sua vez, designou uma comissão composta de três "expertos". Após rebuscada pesquisa, calcada em substanciosos argumentos sobre o que representava o beijo tentado do engenhoso personagem, a tríade lançou o
circunstanciado veredicto: "- não é possível o arquivamento com base no princípio da insignificância", "- a aplicação de medida de segurança poderá trazer auxílio à família..."
Assim, em atendimento à manifestação ministerial referida, o feito teve prosseguimento.

Até que em alegações finais o promotor de justiça derradeiramente encarregado do caso pugnasse pela absolvição do acusado.

Claro que é quase impossível aferir com exatidão as dezenas de profissionais chamados a intervir no presente processo durante a tramitação processual: policiais civis e militares e outros servidores públicos ligados à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, ao Ministério Público Distrito Federal e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, tais como analistas e técnicos judiciários, escrivães, oficiais de justiça, diretores e substitutos de cartórios, oficiais de gabinete, executantes, motoristas, seguranças, secretários, garçons, zeladores e faxineiros, eletricistas, digitadores e técnicos em informática, vigilantes e tantos outros que poderiam ampliar imensamente essa lista.

Alguns, talvez os principais desses atores processuais, contudo, ao praticarem atos processuais, deixaram suas assinaturas nos autos do processo, tornando mais fácil a quantificação e enumeração desses sujeitos. Passo a enumerá-los:

· 10 (dez) juízes de direito: fls. 2, 13, 40, 49, 62, 78, 122, 127 e 121, exemplificativamente, além de fl. 35 dos autos em apenso;

· 8 (oito) promotores de justiça: fls. 2, 24, 28, 41v, 60, 64, 82 e 113v, exemplificativamente,;

· 5 (cinco) procuradores de justiça: fls. 66, 76 e 80;

· 9 (nove) defensores: fls. 20, 39, 48, 96, 99, 130 e 150, exemplificativamente, e ainda fl. 14 dos autos em apenso;

· 8 (oito) médicos: fl. 18 e também fls. 24, 27, 28, 30 e 31, dos autos em apenso;

· 3 (três) delegados de polícia: fls. 6, 45 e 124.

Esses sujeitos processuais anteriormente discriminados perfazem o total de 43 profissionais altamente especializados que ao longo da tramitação do processo, ou seja, de 20/02/2006 até a presente data (interregno de quase três anos, ou, mais precisamente, dois anos, oito meses e treze dias) receberam dos cofres públicos (considerando-se os respectivos décimos terceiros salários) proventos que podem ser estimados pela média em R$ 39.674.666,67 (trinta e nove milhões, seiscentos e setenta e quatro mil, seiscentos e sessenta e seis centavos).

Evidente que tais agentes públicos atuaram concomitantemente em diversos outros casos. No entanto, tal estimativa serve para evidenciar o tamanho do disparate em direcionar essa estrutura leviatânica para apurar a prática de uma bicota, aliás, uma tentativa de bicota, levada a efeito pelo infeliz acusado.

Evidentemente, estamos desconsiderando outros custos, como aqueles relacionados a gastos de papel, cartuchos para impressão, cartolina, cordonê e outros materiais e suprimentos de escritório, energia elétrica, comunicação telefônica e via correios, combustível, maquinário diverso et cetera.

Por certo, não foi mensurado o inevitável custo do impacto ambiental gerado desde antes da instauração do inquérito até a instauração e encerramento da relação jurídica processual.

Ou seja, estimamos apenas uma parte do custo social envolvido com a tramitação do processo do aspirante a beijoqueiro.

Toda essa movimentação magnânima teria sido feita em nome da suposta e pomposa "importunação ofensiva ao pudor"…

Ao final, seria de se perguntar: vale a pena? É esse o mister do Direito Processual Penal do século XXI? Ou deveria esse ramo do direito se voltar a apurar aquelas condutas que atinjam bens jurídicos que realmente mereçam a tutela penal?

Outras perguntas não querem calar: como não ver insignificância, sob a ótica penal, na conduta praticada pelo acusado? O que fazer com o princípio da proporcionalidade, que recomenda correspondência entre as sanções penais e a gravidade das condutas praticadas pelos infratores penais? Como ignorar, por outro lado, que o acusado foi solenemente espancado pela "vítima" após o triste episódio do beijo frustrado e continuou a sê-lo até a chegada à delegacia de polícia?

É evidente que o promotor de justiça que oficiou pelo reconhecimento da insignificância agiu imbuído de bom senso e soube distinguir o fútil e o irrelevante daquilo que é sério, grave e de relevo.

Sensibilidade e discernimento também demonstrou o outro representante do Ministério Público que, em alegações finais, postulou pela absolvição do acusado.

Tais posturas ajudam a depurar e orientar a persecução penal, reservando-a a casos realmente relevantes. Felicitem-se aqueles promotores que voltam o principal de suas atenções e energias para punir autores de crimes de lesa-pátria, que causam prejuízos milionários ao erário, como fraude de licitações públicas, corrupção e sonegação.

Encômios àqueles que questionam, por exemplo, a atitude do Chefe do Executivo local e procuram demonstrar a violação da Constituição e das leis penais praticadas por tal agente ao criar casuisticamente Secretaria de Estado, sem amparo na Lei Orgânica do Distrito Federal, para proteger acusados da prática de graves crimes cometidos contra a Administração Pública.

Elogios àqueles que estão preocupados com a apuração dos crimes cometidos com violência e grave ameaça às vítimas, furtos e estelionatos vultosos, estupros, homicídios e outros similares.

Não que outros casos não possam ser objetos de reflexão. Contudo, a cada situação o tratamento jurídico correspondente deve ser o mais adequado. O Direito Penal e Processual Penal, é óbvio, reserva-se à tutela daqueles bens jurídicos da vida mais relevantes. A hipótese dos autos não está a merecer, ao menos em desfavor do acusado, a atenção da seara penal.

Qualquer controvérsia poderia ser solucionada por meio de outros mecanismos e instrumentos de apaziguamento social.

Aos que sugeriram a aplicação de medida de segurança ao acusado faço lembrar o imorredouro caso de GILDÁSIO MARQUES DE SOUZA, que ao ser absolvido da prática de lesões corporais simples, por sentença datada de 24/10/67, recebeu medida de segurança e terminou por ficar encarcerado em presídios e em manicômios por mais de 36 anos, destituído de dignidade, cidadania e de relações sociais. Dois anos antes de Gildásio ser colocado em liberdade, um laudo foi juntado aos autos da execução da medida de segurança confirmando a "cessação da periculosidade" de Gildásio. Mesmo assim, Gildásio permaneceu enclausurado no Presídio Feminino de Brasília, Capital da República, até que os autos chegaram ao signatário da presente sentença que, indignado com a ignomínia e tomado por opróbrio com tanto descaso e humilhação, cumpriu o dever de extinguir aquela reprimenda vergonhosa de duração ilimitada. Foram trinta e seis anos de esquecimento, angústia, desprezo e perversidade contra o autor de um delito que, à luz da legislação vigente na atualidade, não poderia sequer ser recolhido à prisão...

Percebe-se, assim, o cuidado que se deve ter em aplicar aos acusados da prática de infrações penais a malfadada medida de segurança. Alguém poderia dizer que ao invés de internação poderia ser aplicada ao acusado a medida de segurança na forma de tratamento ambulatorial. Isso não mudaria em nada a impertinência da proposta. Medida de segurança é sempre medida de segurança: tanto a internação pode, circunstancialmente, se converter em tratamento ambulatorial, quanto esta pode se transformar na primeira. E o mais grave é que não há prazo legal para o término da pena infamante. Não consigo enxergar em quê "- a aplicação de medida de segurança poderá trazer auxílio à família..."

Tecidas tais considerações, nada mais resta senão reconhecer o que deveria ter sido admitido ab initio, RODRIGO RAMOS DE LIMA não praticou crime e por isso o tenho por absolvido. Por fim, faço votos de que não surja um "iluminado" com a "estupenda" idéia de, através de recurso, prorrogar a presente discussão e sangria de recursos públicos financeiros e humanos. Gastos inúteis não se justificam em parte alguma.

Sem custas.

Remeta-se cópia da presente sentença ao Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal para ciência.

Publique-se no Diário da Justiça. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado procedam-se as anotações e comunicações de estilo.

Brasília-DF, 03 de novembro de 2008.

Fábio Martins de Lima
Juiz de Direito Substituto

(Fonte: Site do TJDFT)