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04 fevereiro 2011

Denunciação da Lide e o Código de Defesa do Consumidor

Denunciação da Lide e o Código de Defesa do Consumidor

O tema não é novo.



Porém, não é incerto que diversos profissionais do direito entendem - desavisadamente - que no sistema do direito consumerista não se aplica a denunciação da lide.




Entretanto, necessário se faz a leitura do artigo 88 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990:

Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.

A simples leitura do dispositivo legal acima já permite concluir que a vedação somente atinge às hipóteses previstas no artigo 13 da lei consumerista.

E o raciocínio está correto.

As regras contidas no artigo 13 e 14 estão assim dispostas:

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Vale dizer que, portanto, que a vedação à denunciação da lide somente se aplica na responsabilidade pelo fato do produto, sendo o defeito no serviço não há vedação legal.

É de se ver, ainda, que há entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que sustentam a postergação do direito de regresso para depois da solução da lide, entretanto, não é de bom alvitre postergar à denunciação da lide.

Por certo, não se pode sustentar que há obrigatoriedade em denunciar à lide o real infrator responsável pelo defeito no serviço, entretanto poderá haver substancial prejuízo e perda de tempo.

Vejamos a lição de Cândido Rangel Dinamarco1:

O art. 70 do Código de Processo Civil, dizendo ser obrigatória a litisdenunciação nas hipóteses que os três incisos tipificam, gerou a suspeita de que houvesse realmente sido posta uma rigorosa obrigação a cargo da parte. Ainda quando fundada fosse essa supeita, tratar-se-ia de um ônus absoluto, caracterizado como encargo atribuído à parte e jamais uma obrigação. Ônus, como vem da clássica e notória linguagem de James Goldschmidt, são imperativos do próprio interesse, ou seja, encargos sem cujo desempenho o sujeito se põe em situações de desvantagem perante o direito.

Na verdade, nem existe uma ‘obrigação’ de denunciar (porque é impróprio falar em obrigação nesse caso), nem é sempre absoluto o ônus de fazê-lo, no tocante à sorte do sujeito no processo mesmo ou em relação ao direito material que tenha perante o terceiro. A desvantagem que a parte suportará por não haver feito a litisdenunciação, podendo fazê-la, ordinariamente não irá além da privação das vantagens que se habilitaria a receber se a houvesse feito. Visando a denunciação da lide (a) a vincular o terceiro ao que fique decidido na causa entre o denunciante e seu adversário, bem como (b) a buscar a condenação do denunciado a indenizar se o denunciante se sair vencido naquela primeira causa (art. 70) – não denunciar significa não poder ganhar esses benefícios que, denunciando, seria possível obter.”

Para Fredie Didier Jr2:

“É certo, porém, que, não promovendo a denunciação da lide, o adquirente assume o ‘risco de vir a ser derrotado em pleito regressivo contra o alienante, se este demonstrar que havia razões para impedir a derrota do adquirente e que a alienação foi boa e regular.”

Como se vê, de fato, não existe obrigatoriedade em denunciar à lide, porém não se pode concluir – de maneira simplista – que exista vedação em todas as situações que envolvam o direito do consumidor.

Ainda sobre a aplicação da denunciação da lide ao direito consumerista, é importante transcrever recente acórdão da lavra do Ministro Massami Uyeda:

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RELAÇÃO CONSUMERISTA - DEFEITO NO SERVIÇO - DECADÊNCIA (ART. 26 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) - INAPLICABILIDADE - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - IMPOSSIBILIDADE, IN CASU - PETIÇÃO INICIAL - DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA AÇÃO - ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO OCORRÊNCIA - RECURSO IMPROVIDO.

1. Na discussão acerca do defeito no serviço, previsto na Seção II do Capítulo IV do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se o artigo 27 do referido diploma legal, segundo o qual o prazo é prescricional, de 05 (cinco) anos, a partir do conhecimento do dano e da sua autoria.

2. Nas relações de consumo, a denunciação da lide é vedada apenas na responsabilidade pelo fato do produto (artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor), admitindo-o nos casos de defeito no serviço (artigo 14 do CDC), desde que preenchidos os requisitos do artigo 70 do Código de Processo Civil, inocorrente, na espécie.

3. Está em harmonia com entendimento desta Corte Superior de Justiça, o julgamento proferido pelo Tribunal de origem no sentido de que os documentos indispensáveis à propositura da ação são os aptos a comprovar a presença das condições da ação.

4. A aplicação de penalidades por litigância de má-fé exige dolo específico.

5. Recurso improvido

(RECURSO ESPECIAL Nº 1.123.195 - SP (2009/0124926-9)

No voto do Ministro Relator acima citado, há outros julgados sobre a matéria, vejamos:

No que se refere à denunciação da lide, esta Corte já se pronunciou que, nas relações de consumo, esse tipo de intervenção de terceiros é vedado

apenas na responsabilidade pelo fato do produto (artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor), admitindo-a nos casos de defeito no serviço (artigo 14 do CDC), desde que preenchidos os requisitos do artigo 70 do Código de Processo Civil (ut REsp 1.024.791/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 09/03/2009 e REsp 741.898/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 20/11/2006 p. 305).

Assim, não há como se discutir que não há dúvidas de que a denunciação da lide restringe-se ao artigo 13 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, quando de forma demonstrada se estiver diante desta hipótese.

Entretanto, poderá haver exceção a possibilidade de denunciação à lide, se considerada a hipótese do art. 14, no caso de haver vício no fornecimento de produtos ou serviços duráveis ou não duráveis.

Neste sentido, é valioso o acórdão proferido nos autos do Recurso Especial nº 547.794-PR, cuja relatora foi a Ministra Maria Isabel Gallotti:


EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. VEÍCULO NOVO. AQUISIÇÃO. DEFEITOS NÃO SOLUCIONADOS DURANTE O PERÍODO DE GARANTIA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFICIENTE.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR. INCIDÊNCIA DO ART. 18 DO CDC. DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. FLUÊNCIA DO PRAZO A PARTIR DO TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL.
1. Diversos precedentes desta Corte, diante de questões relativas a defeitos apresentados em veículos automotores novos, firmaram a incidência do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor para reconhecer a responsabilidade solidária entre o fabricante e o fornecedor.
2. O prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC) não corre durante o período de garantia contratual, em cujo curso o veículo foi, desde o primeiro mês da compra, reiteradamente apresentado à concessionária com defeitos. Precedentes.
3. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido.

Alexandre Lima de Almeida, advogado.

Pós-Graduado em Direito Processual Civil



1 Intervenção de Terceiros. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. P. 138

2 Regras Processuais no Código Civil – São Paulo: Saraiva, 2009. P. 156