Pesquisar este blog

21 agosto 2008

Reformas processuais e o assoberbamento do judiciário

Reformas processuais e o assoberbamento do judiciário

Pode-se afirmar que desde a publicação e vigor da Emenda Constitucional nº 45, de 30.dez.04, o Judiciário brasileiro passou a vivenciar “ondas” reformistas voltadas para a maior celeridade processual.

Neste contexto, que o artigo 5º da Constituição da República de 1988 passou a contar com o inciso LXXVIII, vejamos:

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Houve alteração, ainda, do artigo 102 da Carta Magna, onde foi inserido o parágrafo 3º com a seguinte redação:

“§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros." (NR)”

A Emenda Constitucional nº 45 trouxe ainda a possibilidade de criação da súmula vinculante pelo STF como medida de filtro a matérias constitucionais discutidas reiteradamente em processos, conforme disposto no artigo 2º da Lei nº 11.417, de 19.dez.06:

Art. 2º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

A referida “onda” reformista que, até então, trazia filtros de proteção a atuação do STF, no mesmo ano de 2006, passou a criar novo filtro protegendo o STJ, o que se vê na publicação da Lei nº 11.418, de 19.dez.06, que alterou o Código de Processo Civil trazendo a exigência de repercussão geral do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

É neste contexto que se insere a lição do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado (Reflexões sobre as alterções no Direito Processual Civil Brasileiro a partir da EC nº 45, DE 31.12.2004, e as repercussões no Direito Judiciário Trabalhista), sobre o tema:

Do pensamento e das conclusões do mencionado doutrinados, pela importância da mensagem expedida, destacamos as partes seguintes:
a) Pode parecer um pouco exagerada em uma primeira análise a definição do ‘direito à duração razoável do processo’ como sendo questão atinente aos ‘direitos humanos’, principalmente se comparado ao ‘direito à vida’, à ‘integridade e liberdade pessoal’, à ‘liberdade de pensamento e expressão’ ou ao ‘veto à escravidão e exploração humana’, que são, sem dúvida, de muito maior relevo e gravidade. Todavia, esses últimos, até por serem mais genéricos e conhecidos, normalmente são respeitados e possuem mecanismos próprios para evitá-los e coibi-los quando ocorrem, ao contrário da duração exagerada e absurda do processo, que é um problema e uma preocupação em todo o mundo, embora de forma mais velada e dificilmente equacionada” (Obra citada, p. 211).
b) Acerca dessa preocupação mundial com a duração do processo, interessante reproduzir nota de rodapé contida na obra Manual de Direito Processual Civil, do Mestre Arruda Alvim: ‘É vasa a literatura contemporânea, revelando a 11
Reflexões sobre as alterações no Direito Processual Civil Brasileiro a partir da EC n. 45, de
31.12.2004, e as repercussões no Direito Judiciário Trabalhista
universalidade do tema, no que diz respeito à sensação, senão, mesmo, à clara percepção do descompasso existente entre as sociedades civis e os seus aparatos estatais. O que varia é a extensão real do problema, a que é geralmente correlato o grau de insatisfação. V..., a respeito Mauro Cappelletti e Bryan Garth, Access to Justice, A Word Suvei, (Acesso à Justiça- Uma visão Mundial), com inúmeras publicações em diversos países, que é o relatório geral sobre o assunto, elaborado à luz das múltiplas informações dos relatores nacionais; ainda, veja-se Access to Justice and the Welfare State (Acesso à Justiça é o Estado de Bem-Estar), editado por Mauro Cappelletti, com a assistência de John Weiner e Mônica Seccombe, 1981, com diversas publicações, ainda, de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, editado em abril de 1983, Finding na Appropriate Compromise. A Coparative Study of individualistic Models and Group Rigths in Civil Procedure (Na busca de um compromisso adequado: um estudo comparativo dos modelos individualistas e dos direitos dos grupos no processo civil). Pode-se dizer que esta referência bibliográfica, iniciada em função de se terem tornado aguda as pressões com o descontentamento dos grupos sociais, revelou-se interminável e se iniciou aproximadamente uma duas décadas depois da segunda guerra mundial. Na América Latina é digno de leitura o trabalho de Morello, Berinzonce, Hitter e Nogueira, La Justicia enre dos Épocas, La Plata,1983, passim, mas, especialmente, o trabalho de Augusto Mario Morello, capítulo II, Las Nuevas Exigências de tutela (Experiências y alternativas para repensar la política procesal y asegurar la eficácia del servicio (ob. cit. p. 388-389)” (pp. 211/212).
c) Um Estado democrático não pode abandonar seus cidadãos a um processo lento e viciado, pois não é raro que as vidas e o destino das pessoas estejam diretamente vinculados à solução de um determinado processo, motivo pelo qual é extremamente leviano fazê-los aguardar tempo excessivo pela decisão judicial, somente porque falta interesse e vontade política para estruturar e aparelhar adequadamente o Poder Judiciário. Como dissemos no corpo do trabalho, um processo que dura um dia a mais do estritamente necessário não terá duração razoável e já será injusto (ob. cit. p. 212).
d) Nosso posicionamento é cristalino no sentido de que o Estado é responsável objetivamente pela exagerada duração do processo, motivada por culpa ou dolo do juiz, bem como por ineficiência da estrutura do Poder Judiciário, devendo indenizar o jurisdicionado prejudicado – autor, réu, interveniente ou terceiro interessado -, independentemente 12
Reflexões sobre as alterações no Direito Processual Civil Brasileiro a partir da EC n. 45, de
31.12.2004, e as repercussões no Direito Judiciário Trabalhista
de sair-se vencedor ou não na demanda, pelos prejuízos materiais e morais. (Ob. cit. p. 219).
e) A natural duração do processo já acarreta danos às partes, razão de o legislador prever, entre outras medidas, o seqüestro, a execução provisória, a correção monetária e, atualmente, a antecipação dos efeitos da tutela a minimizar os prejuízos advindos da espera. Contudo, necessário se faz acabar com a morosidade que decorre dos mais diversos fatores e que prolonga o processo muito além do essencial e justo. (Ob. cit., p. 220).
f) A tutela jurisdicional correta, eficaz e justa deve ser exaltada não só pelo advogado, mas também pelo próprio juiz que a concede, pois este deve ser imparcial sem ser insensível à realidade da vida, lembrando que não julga papéis somente, mas a vida de pessoas e questões como honra, patrimônio e destino.
g) A excessiva demora do julgamento dos recursos cria um ciclo vicioso que incentiva a parte vencida na demanda a recorrer como modo de procrastinar o início da execução, uma vez que a apelação tem por regra o efeito suspensivo, que mantém a sentença em um grau de ineficácia no plano fático. Fosse a regra do recebimento somente no efeito devolutivo, por certo haveria um desestímulo à interposição de recursos de apelação. (Ob. cit. p. 223).

Por fim, este ano foi publicada a Lei nº 11.672, de 08.maio.08, que trata dos recursos repetitivos[1], onde o STJ poderá receber um ou mais recursos que tratem de determinada matéria e suspender nos Tribunais Regionais o até pronunciamento final da Corte superior (art. 1º § 1º e 2º).

Vale observar que todas estas medidas ora previstas em emenda constitucional, ora prevista em lei, não violam o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, ou seja, não atinge o direito a um processo justo (art. 5º, inc. XXXV e LIV, da CR/88).

Vale dizer que a edição de súmulas vinculantes, a exigência de repercussão geral de recurso e a suspensão de processos repetitivos não tem o condão de suprimir o direito ao contraditório e ampla defesa (art. 5º, inc. LV, da CR/88), ou ao próprio princípio do devido processo legal, pois tais garantias fundamentais sempre serão permitidas nos Tribunais Regionais e nas instâncias ordinárias.

Registre-se que, se de um lado recursos que tratam de matérias já decididas exaustivamente pelo STF e STJ deixaram de ser julgados, por outro lado estes Tribunais terão melhores condições de, em tese, apreciar matérias ainda não unânimes ou simplesmente novas que merecerão maior e melhor atenção.

Importante salientar que, ao contrário da suposta supressão de garantias, o sistema de filtragem de recursos trará maior segurança jurídica ao jurisdicionado, pois aquelas matérias alvo de súmula vinculante pelo STJ, ou de análise do STJ na hipótese de recurso repetitivo, importará em, no primeiro caso, estrita observância ao decidido na súmula vinculante tornando certa a matéria constitucional resolvida, e, no segundo caso, o STJ assinalará como, de forma dominante, decidirá a respeito de determinada matéria, oportunidade em que as partes, ainda demandando perante os Tribunais Regionais, saberão o possível provimento jurisdicional acaso a matéria seja encaminhada ao STJ.

E é com este objetivo, qual seja, agilizar o sistema recursal barrando recursos pertinentes, porém cujas questões já forma decididas anteriormente, ou não mereçam análise dos Tribunais Superiores, que ainda haverão outras alterações como forma de otimizar a atuação do Judiciário sem, no entanto, suprimir direitos e garantias.
Importe, ainda, citar trabalho realizado pelo Ministro aposentado do STJ, Sálvio de Figueiredo Teixeira (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma processual no contexto de uma nova justiça. BDJur, Brasília, DF. 28 fev. 2008. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16557.), que destacou a necessidade de reformas no campo de processo civil e que, até o momento, não se encontram convertidas em lei, sendo muitas delas necessárias a maior celeridade processual, vejamos:

“Para se ter uma idéia geral, embora não completa, das alterações propostas, transcreve-se a seguir parte de texto escrito em 1993 e destinado ao “2º Congresso Nacional de Direito Processual Civil,5 quando somente 1 (um) dos 11 (onze) projetos havia se convertido em lei:
5.1 - No projeto de alteração da sistemática da prova pericial, que resultou na Lei nº 8.455/92, buscou-se:
a) dispensa de compromisso do perito e dos assistentes-técnicos (art. 422);
b) qualificação dos assistentes-técnicos como assessores das partes, sem suspeição ou impedimento; c) dispensa de intimação dos assistentes-técnicos; d) dispensa da perícia quando os laudos vierem com a inicial e com a contestação (art. 427); e) possibilidade de o perito e de os assistentes apenas narrarem na audiência o que periciaram (art. 421, § 2º); f) redução dos atos processuais. Segundo consta, as inovações estão a receber o aval do foro e da doutrina.
5.2 - No projeto concernente à liquidação, dois foram os objetivos principais, ao lado de outras modificações de menor porte:
a) eliminar a discussão, geradora de incidentes e recursos, sobre a necessidade ou não de citação, optando-se pela citação na pessoa do advogado, como o próprio código admite nos casos de embargos de terceiro, reconvenção e oposição;
b) eliminar a modalidade de liquidação de sentença por cálculo do contador, possibilitando que o simples cálculo aritmético (como nas hipóteses de aluguéis, rendimentos, pensões, juros, correção monetária) seja feito na própria petição da ação executiva, a exemplo do CPC de Portugal (art. 805), ensejando ao executado impugnar o cálculo, se o reputar incorreto, na via dos embargos do devedor (CPC, art. 741, V);
5.3 - O projeto concernente à citação e à intimação prioritariamente, como regra, pela via postal, procura atender aquilo que a praxe cada vez mais vem adotando, tamanho e tão graves os inconvenientes do sistema atual da comunicação desses atos processuais, que encarece a prestação jurisdicional, concorre para a sua lentidão, para a prática de chicanas de toda sorte, e, não raras vezes, enseja condutas lesivas e antiéticas.
Além das cautelas que o projetado sistema exige, ressalva-se a citação por oficial de justiça nas seguintes hipóteses: nas ações de estado; quando for ré pessoa incapaz ou de direito público; nos processos de execução; nas hipóteses de frustração pela via postal; nos casos de mera opção pelo autor.
Tal forma de citação não só é utilizada no melhor direito estrangeiro como
também já é prevista em diversos diplomas do ordenamento jurídico brasileiro, como na lei de alimentos, na execução fiscal, no juizado de pequenas causas e até mesmo em resoluções judiciárias.
Além de ensejar também as intimações pelos correios, o que por si só já justificaria o projeto, amplia-se a possibilidade de o oficial de justiça efetuar citações e intimações em qualquer das comarcas de região metropolitana, nos casos de citação por mandado.
5.4 - O projeto do agravo tem uma crônica peculiar, que bem retrata a dificuldade na aprovação de um projeto mesmo quando acordes os segmentos que o prepararam. Em termos de resultados práticos e de engenho e arte em sua elaboração, talvez seja o melhor dos onze projetos.
Consiste ele na classificação de duas modalidades de agravo:
a) o retido, nos moldes atuais, com incorporação dos acréscimos sugeridos pela doutrina e jurisprudência, apresentando-se como única via possível em determinadas hipóteses; b) o de instrumento, no qual a interposição é feita diretamente no protocolo do Tribunal ou através da via postal, cabendo ao agravante instruí-lo. O relator poderá dar-lhe efeito suspensivo, ouvirá o juiz se entender necessário ou conveniente, intimará o
recorrido na pessoa do seu advogado, pelos correios (ou pelo órgão oficial, nas comarcas sede de tribunal), ouvirá o Ministério Público nas hipóteses legais e em trinta dias colocará o feito em julgamento.
Em ambas as modalidades poderá o juiz exercer a retratação, que é da índole do recurso.
Adota-se, mutatis mutandis, com singeleza, procedimento semelhante ao da ação do mandado de segurança, tendo como principais vantagens em relação à legislação atual:
a) eliminar o uso anômalo do mandado de segurança para a obtenção de efeito suspensivo;
b) praticamente afastar o uso procrastinatório desse recurso, que tantos males causa ao princípio da rapidez na prestação jurisdicional;
c) desestimular o uso do próprio recurso, na sua modalidade de instrumento. Não sendo recomendável extinguir-se esse recurso e nem a sua utilização apenas na modalidade retida, uma vez que maior seria o uso do mandado de segurança em tais hipóteses, fica a certeza que o modelo proposto seria de inegável vantagem em relação ao atual.
5.5 - Um quinto projeto trata das modificações não destacadas atinentes ao processo cautelar e ao processo de conhecimento.
Em relação ao primeiro, tímidas são as sugestões propostas, e por mais de uma razão. Uma delas, porque a proposta da comissão de reconhecer-se em texto legal a desnecessidade do ajuizamento da ação principal, quando exauriente a cautelar, esbarrou nos órgãos de consulta do Executivo. Uma outra, porque as alterações objetivando suprir a nossa carência legislativa de tutela de urgência, de cognição sumária, tão reclamada entre nós, e fundamentadamente, pela corrente liderada por Ovídio Baptista da Silva, não se localizam especificamente no Livro III do Código, mas em outros setores, que também foram objeto de atenção. Na realidade, a nossa ação cautelar inominada tem sido utilizada anomalamente, como técnica de sumarização, contra o anacronismo e a morosidade do procedimento ordinário, reconhecido que o nosso Direito, como o europeu continental de origem latina, não dispõe de mecanismos suficientemente eficazes, a exemplo dos injuncionais do Direito anglo-americano, que ainda se reforça com o instituto coercitivo do "contempt of court". E uma terceira razão, porque, repetindo, não se cuida de uma reforma profunda do Código, mas parcial, dos seus pontos de estrangulamento, para tornar o nosso processo menos burocratizado, mais ágil e eficiente.
5.6 - Esses objetivos foram perseguidos em relação ao processo de conhecimento. Consoante sua exposição de motivos, são suas alterações de maior destaque:
a) o incentivo à conciliação como forma alternativa de solução do conflito, inclusive com a previsão da audiência preliminar de conciliação quando a lide versar direitos disponíveis (arts. 125, V e 331);
b) o estímulo aos modernos métodos de documentação recomendados pela atual tecnologia (art. 170);
c) a solução à tormentosa e antiga polêmica sobre a necessidade ou não da participação do cônjuge, como autor e réu, nas ações possessórias (art. 10);
d) a dispensa do reconhecimento de firma na procuração outorgada ao advogado (art. 38);
e) a adoção do litisconsórcio facultativo recusável, recomendada pela doutrina por força de situações práticas típicas de conflitos hoje verificados na sociedade de massa em que vivemos (art. 46);
f) dispensa de despacho judicial de atos meramente ordinatórios (art. 162, § 4º);

g) realização de atos processuais até as 20:00 horas (art. 172);
h) a introdução do instituto da antecipação da tutela, cercado das necessárias cautelas (art. 273);
i) a sistemática para tornar mais eficaz o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer, determinando ao juiz a observância da tutela específica e de providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, com possibilidade de liminar fundamentada e de imposição de multa ao réu (art. 461);
j) a melhor disciplina do instituto da litigância de má-fé (art.18), dos honorários advocatícios na execução (art. 20), dos honorários do perito (art. 33), da renúncia ao mandato (art. 45), da interrupção da prescrição (art. 219), da intimação das testemunhas por mandado (art. 239, parágrafo único, III), do procedimento relativo ao indeferimento da petição inicial e atos subseqüentes (art. 296) e da documentação para a prova pericial (art. 417).
Merecem relevo, no entanto, dentre todas elas, exatamente pela carga de efetividade que contêm, as relativas à conciliação, ao instituto da antecipação da tutela e à destinada ao art. 461 (da tutela específica), que encontra modelo similar no art. 84 do Código de Proteção ao Consumidor.
5.7 - Ainda no âmbito do processo de conhecimento, mas destacado do respectivo projeto para evitar eventuais dificuldades de tramitação e aprovação, elaborou-se projeto objetivando dar tratamento infraconstitucional ao fenômeno, verificado especialmente na Justiça Federal, das denominadas "demandas múltiplas", quando milhares de pessoas ajuízam causas tendo por suporte uma mesma questão jurídica e as decisões judiciais nem sempre são convergentes, daí resultando insegurança e até mesmo perplexidade, com desprestígio para o Judiciário e intranqüilidade no meio social.
Não poucas vezes, para obviar tais inconvenientes, já se cogitou da ação avocatória, instrumento de duvidosa juridicidade e justificadamente repudiado pela comunidade jurídica. O que se propõe é bem diverso, sem os males daquela e com evidentes vantagens, respeitando os princípios processuais básicos e a fiel observância dos trâmites processuais pelas diversas instâncias. Institui-se, em nível infraconstitucional, mecanismo uniformizador de jurisprudência (art. 479), a dar solução rápida ao angustiante fenômeno das decisões conflitantes, hoje tão presentes no cenário forense nacional.
Nos termos do projeto, poder-se-á, em causa já em tramitação no tribunal, propor o pronunciamento deste sobre a tese jurídica questionada.
Sumulada a tese, e sem prejuízo do prosseguimento normal de todos os processos em andamento:
a) será defeso, aos órgãos de qualquer grau de jurisdição, subordinados ao tribunal que proferiu a decisão, a concessão de liminar que a contrarie;
b) cessará a eficácia das liminares concedidas;
c) o recurso contra a decisão que contrarie a súmula terá sempre efeito suspensivo;
d) nos processos pendentes e nos posteriores, com pretensão fundada na tese da súmula, poderá ser concedida a antecipação da tutela, prosseguindo o feito até final do julgamento. Em suma, "a inovação proposta ajusta-se ao sistema processual vigente, não agride o devido processo legal e contribuirá de forma hábil, rápida e segura para uma eficaz e pronta solução jurídica em campo de tantas inquietações".
5.8 - O projeto de reforma do procedimento conhecido como sumaríssimo começa por modificar o seu próprio rótulo, denominando-o de sumário e deixando a expressão sumaríssimo para os juizados especiais previstos
na Constituição.

Substanciais modificações são nele propostas, sendo de destacar-se:
a) a racionalização do elenco das causas a ele sujeitas, afastando as que normalmente reclamam contraditório mais amplo;
b) a possibilidade da conversão em procedimento ordinário, especialmente quando se fizer necessária prova técnica de maior complexidade;
c) a previsão de uma audiência inaugural de conciliação, seguindo o exemplo da praxe trabalhista e das experiências marcadamente bem-sucedidas dos juízes que assim têm procedido, para a qual o réu será previamente citado, podendo o juiz ser auxiliado por conciliador, a exemplo do que vem ocorrendo com sucesso no juizado de pequenas causas, devendo a contestação, com documentos e rol de testemunhas, ser apresentada de imediato se não obtida a conciliação;
d) possibilidade do julgamento antecipado da lide, a melhor das inovações do código de 1973;
e) o caráter dúplice dado às causas sob seu processamento, a exemplo do que ocorre com as ações possessórias (CPC, art. 922), compatibilizando a realidade com a vedação de reconvenção do art. 315, § 2º, sem os malabarismos da praxe atual, sobretudo nos casos de indenização por acidente de trânsito;
f) a incorporação da moderna tecnologia de documentação;
g) a vedação da intervenção de terceiros, salvo nos casos de assistência e recurso de terceiro prejudicado.
5.9 - Além do projeto específico sobre a mudança do modelo do agravo, um outro trata dos recursos em geral.
São notórias as críticas ao nosso sistema recursal, ensejador de múltiplas impugnações e conseqüente atraso na entrega da prestação jurisdicional.
Estivéssemos a formular um novo código, certamente esse seria um dos pontos a serem repensados, com o avanço que a etapa atual não permite, pena de inviabilizar-se o esforço ora desenvolvido, que objetiva contar com apoio consensual tanto quanto possível. Repetindo, não se está a fazer um novo código, mas a dar condições de boa, ágil e efetiva aplicação ao atual, ensejando, inclusive, condições para novas e futuras alterações, à medida que os segmentos jurídicos nacionais despertarem para a compreensão de que juntos poderão influir, de forma benéfica, com proveito geral, para o aprimoramento do nosso ordenamento legal.
Após esta observação preliminar, é de anotar-se que dois são os objetivos principais do projeto de que se cuida, a saber: integrar ao texto do código as normas relativas aos recursos extraordinário e especial, e simplificar os procedimentos recursais, sobretudo quanto à interposição. Assim, dentre outras modificações, propõe-se:
a) interposição do recurso adesivo no prazo de que a parte dispõe para responder;
b) ressalvada a disciplina específica do agravo, permitir que norma local de organização judiciária disponha sobre a forma de recebimento dos recursos;
c) uniformização dos prazos recursais (art. 508) em quinze (15) dias, salvo os casos de agravo e embargos declaratórios;
d) simplificação do preparo;
e) dar efeito interruptivo aos embargos declaratórios, eliminando a polêmica a respeito da contagem dos prazos, ensejadora freqüente de recursos, com disciplina sancionatória mais objetiva aos embargos protelatórios, especialmente quando reiterados;
f) supressão da "conferência" dos acórdãos e obrigatoriedade de ementas para fins de pesquisa e indexação da jurisprudência, nestes tempos de informatização a que felizmente estamos chegando.
5.10 - O que se disse em preliminar a propósito dos recursos, em termos de modificação estrutural, poder-se-ia repetir quanto ao processo de execução, sabido o quão burocratizado e complexo é o nosso sistema, ao contrário do que ocorre em alguns países mais evoluídos, em que a execução do julgado se dá perante órgãos administrativos, somente se sujeitando ao Judiciário eventuais incidentes não contornáveis naquela esfera. Importantes alterações, todavia, são propostas no projeto:
a) ampliação do elenco dos títulos executivos,
sobretudo os extrajudiciais, atribuindo eficácia executiva não só ao documento do qual conste obrigação de pagar, ou de dar coisa fungível, como também aos documentos públicos ou particulares em geral, quando assinados pelo devedor, sem as restrições da legislação atual; aos documentos alusivos a obrigações de dar coisa certa (infungível), ou de fazer ou não fazer, sempre com o pressuposto da liquidez, certeza e exigibilidade;
b) cominação de multas a sancionar os "atos atentatórios à dignidade da justiça";
c) melhor disciplina da multa como meio coercitivo indireto na execução das obrigações de fazer ou de não fazer;
d) inscrição da penhora no registro, para maior segurança jurídica dos interessados e para dificultar a fraude de execução;
e) maior ênfase à repulsa ao preço vil e simplificação do procedimento da alienação em hasta pública dos bens penhorados, com maior flexibilidade, utilizando-se inclusive a via radiofônica, a publicidade própria dos negócios imobiliários e a reunião de editais em listas referentes a várias execuções;
f) fixação do dies a quo para oferecimento dos embargos (art. 738, I), tendo em vista a uniformização com a regra geral.
5.11 - Dois procedimentos especiais do código receberam alterações em um outro projeto: o de usucapião e o de consignação em pagamento.
Quanto ao primeiro, para suprimir a audiência preliminar de justificação de posse, induvidosamente injustificável. Quanto ao segundo, para ensejar, sem ofensa ao princípio constitucional do acesso ao Judiciário, a liberação do devedor pela via extrajudicial, com a utilização do sistema bancário, sem ônus e com celeridade, a exemplo do que ocorre no direito europeu, principalmente no modelo italiano.
Ainda quanto à consignação, quando judicial, o projeto prevê:
a) que o réu indique, na hipótese de alegar depósito a menor, o montante que entender realmente devido;
b) possibilidade do credor levantar desde logo a quantia, ou a coisa, sobre a qual não houver controvérsia;
c) na hipótese de insuficiência do depósito, e quando possível, a fixação do
quantum devido, podendo o credor executá-lo nos mesmos autos.
5.12 - Finalmente, um projeto contempla o denominado procedimento monitório ou injuntivo, em sua modalidade documental.
De sua exposição de motivos, colhe-se:
Introduz-se no atual direito brasileiro, com este projeto, dentro de um objetivo maior de desburocratizar, agilizar e dar efetividade ao nosso processo civil, a ação monitória, que representa o procedimento de maior sucesso no direito europeu, adaptando o seu modelo à nossa realidade e às cautelas que a inovação sugere.
A finalidade do procedimento monitório, que tem profundas raízes no antigo direito luso-brasileiro, é abreviar, de forma inteligente e hábil, o caminho para a formação do título executivo, contornando o geralmente moroso e caro procedimento ordinário.”

Alexandre Lima de Almeida, advogado.

------------

[1] O STF já havia decidido, em 28.fev.07, pelo não recebimento de recursos sobre a mesma matéria, quando do julgamento do RE 519.394, em que se discutia elevação do coeficiente da pensão por morte para 100% do salário do segurado, oportunidade em que a Corte Suprema se utilizou, analogicamente, da Lei 10.259/01 e de seu próprio Regimento Interno.

Nenhum comentário: