DECISÃO DO CNJ
ANULA PROVIMENTO DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO QUE
FIXOU CRITÉRIOS PARA A ISENÇÃO DE CUSTAS
Aparentemente a decisão proferida nos
autos do Procedimento de Controle Administrativo do CNJ nº
0005027-08.2011.2.00.0000 que anulou o Provimento 07/09 da Corregedoria
Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso poderia ser compreendida como de
aplicação estrita as demandas que tramitam naquele Estado.
Porém, não é difícil observar
que em diversos Tribunais alguns juízes exageram na conduta de “investigar” a
verdadeira condição econômica da parte que requer o benefício previsto no parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 1.060/50 (“Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta
Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer
à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.” – “Parágrafo único. -
Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação
econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de
advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”).
As decisões contrárias a
concessão da gratuidade de justiça invariavelmente requerem provas da condição
de hipossuficiência fazendo, assim, pouco caso do disposto no artigo 4º da Lei
nº 1.060/50 (“Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência
judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não
está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado,
sem prejuízo próprio ou de sua família.” – “§ 1º.
Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos
desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.” – “§ 2º. A impugnação do direito à assistência judiciária não
suspende o curso do processo e será feita em autos apartados.” – “§ 3º A apresentação da
carteira de trabalho e previdência social, devidamente legalizada, onde o juiz
verificará a necessidade da parte, substituirá os atestados exigidos nos §§ 1º
e 2º deste artigo.”).
Neste sentido, podem ser
citados exemplificativamente os seguintes julgados:
“EMENTA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
Indeferimento
da inicial Assistência Judiciária gratuita Ausência de recolhimento das custas processuais - Isenção do pagamento que se
traduz em benefício Hipossuficiência que deve estar demonstrada Ausência nos
autos de prova do alegado Sentença mantida - Recurso desprovido.”
(TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - Apelação nº 0131360-06.2010.8.26.0100 - São
Paulo - Voto nº 17376 2 - Voto nº: 17.376 - Apelação Cível nº:
0131360-06.2010.8.26.0100 - Comarca: São Paulo 37ª Vara - 1ª Instância:
Processo nº: 1131360/2010 – Relator SALLES ROSSI)
No voto, o Relator
apresentou o seguinte fundamento:
“Com
efeito, o deferimento da gratuidade com a juntada de simples declaração não
atende ao comando da norma e tampouco poderia ser compreendido dentro da
finalidade instrumental do processo, cabendo ao Juiz sopesar as provas colhidas
nos autos e avaliar, inclusive, se há ou não, os sinais exteriores de riqueza
que possibilitam conclusão oposta ao pedido da gratuidade processual que por si
só exclui a hipossuficiência invocada.
No
caso em análise, inexistindo documentos que atestem a incapacidade financeira
do recorrente em arcar com as custas do processo, de rigor a manutenção da r.
sentença pelos seus bem lançados fundamentos.”
Outro julgado que pode ser citado vem do Rio de Janeiro:
AGRAVO
INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO
DE GRATUIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA QUE NÃO FOI COMPROVADA. RECURSO DESPROVIDO.1.
Se o Agravante realmente não possuí condições financeiras para arcar com o
pagamento das custas judiciais sem o prejuízo do próprio
sustento, deveria ter juntado aos autos a cópia de sua última declaração de Imposto de Renda ou
da escritura que comprove a propriedade do imóvel em que reside, em nome de
seus parentes, ou até mesmo uma declaração com o fim de
demonstrar que não paga aluguel, conforme afirmado, para que tal fato fosse
demonstrado com clareza para o Juízo.2. Ausente qualquer argumento capaz de
infirmar a decisão recorrida, e não tendo o Agravante apresentado nenhum
documento hábil a comprovar sua hipossuficiência econômica para fins de
concessão do benefício da gratuidade de justiça, deve ser mantida a decisão que
negou seguimento ao Agravo de Instrumento. 3. Agravo Interno a que se nega
provimento.
(P. 0053945-14.2011.8.19.0000 -
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. JACQUELINE MONTENEGRO - Julgamento:
29/02/2012 - VIGESIMA CAMARA CIVEL)
Considerando os fundamentos as vezes adotados
por alguns juízes, denota-se claramente o intuito de negar aplicação ao texto
legal.
Por tal motivo o CNJ assim decidiu:
“EMENTA: PROCEDIMENTO DE
CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
MATO GROSSO. JUSTIÇA GRATUITA.
REGULAMENTAÇÃO DE
CRITÉRIOS DE CONCESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. RESERVA LEGAL.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO
PARA ANULAR O PROVIMENTO.
1. Trata-se de
Procedimento de Controle Administrativo interposto Walter Pereira de Souza
contra provimento da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que
fixou critérios para a concessão de isenção de custas aos beneficiários da justiça
gratuita.
2. Em uma primeira
análise, pode até parecer que o provimento matogrossense apenas explicite
diligências que, em verdade, estão na Lei. No entanto, ao explicitá-las, ou
seja, ao exigir que o juiz adote uma postura positiva, o provimento indiretamente
impõe um ônus à parte que requer o benefício da assistência judiciária
gratuita.
3. O provimento exige,
ainda, que os oficiais de justiça, notando sinais exteriores que evidenciem
condições econômicas de pagamento das custas, relatem o ocorrido ao juiz da
causa.
4. As determinações
constantes do provimento parecem olvidar dos estudos da labelling approach de H. Becker e da criminologia crítica: com
efeito, a possibilidade de realizar julgamentos morais, tal qual se outorga aos
oficiais de justiça, contribui para afastar a imparcialidade do julgador, algo
que deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.
5. Além disso, no que se
refere ao momento da exação das custas, o provimento acaba por violar a reserva
de lei. Ora, não se está a questionar a natureza tributária das custas processuais,
mas o elemento temporal, relativo ao momento de incidência do fato gerador,
deve estar previsto na norma matriz de incidência, sobre a qual, nos termos da
Constituição pende reserva de lei.
6. Procedimento de Controle conhecido e provido.”
(PROCEDIMENTO DE
CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº 0005027-08.2011.2.00.0000 - RELATOR : Conselheiro
NEVES AMORIM - REQUERIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATOGROSSO - ASSUNTO
: CGT/ TJMT – CONSOLIDAÇÃO – NORMAS GERAIS – ILEGALIDADE)
Para a correta compreensão da matéria, é
importante transcrever trecho do Provimento acima mencionado constante do voto
do relator do CNJ, Conselheiro Neves Amorim:
“Da assistência judiciária gratuita
Art. 3.º- Acrescentar os itens 2.14.8.1.2, 2.14.8.1.3, 2.14.8.1.4,
2.14.8.1.5 e 2.14.8.1.6, com as seguintes redações:
2.14.8.1.2 - Para a concessão de assistência judiciária aos
necessitados, prevista na Lei n.º 1.060/50, deverá o magistrado fazer uma
averiguação superficial sobre as condições financeiras da parte requerente,
inclusive, se necessário, com consulta ao Sistema INFORJUD (Secretaria da
Receita Federal), Detran, Brasil Telecom e Junta Comercial, ferramentas essas
disponibilizadas no Portal dos Magistrados.
2.14.8.1.3. Restando negativa a investigação referida no
subitem anterior, deverá o Juiz deferir o benefício, em caráter provisório,
para que não haja prejuízo à tramitação do processo (Lei n.1.060/50, art.5.º).
2.14.8.1.4. É vedado o deferimento do recolhimento de
custas e despesas processuais para o final do processo.
2.14.8.1.5. Concedida a Justiça Gratuita, a qualquer
momento o Oficial de Justiça, notando sinais exteriores que evidenciem
condições econômicas de o beneficiário “pagar as custas do processo e demais
verbas processuais” (Lei n.1.060/50, art. 2º, § 2º), relatará, por escrito,
ao Juiz, descrevendo os fatos observados.
2.14.8.1.6. No curso do processo, restando evidentes sinais
de suficiência econômica da parte beneficiária, deve o magistrado proceder na
forma ditada pelo art. 8.º da Lei da “Justiça Gratuita”.
A
fundamentação do voto do Conselheiro do CNJ elucida qualquer dúvida:
“A Lei nº 1060/50
tampouco estabelece qualquer obrigação aos oficiais de justiça. Não que a
Corregedoria não possa lhes dar novas atribuições, mas exigir que apenas por
sinais exteriores o oficial noticie ao juiz para que revogue o benefício é prática
nitidamente discriminatória e vexatória, menos para quem comete irregularidades
do que para os verdadeiros beneficiários que receberão, de fato, a etiqueta de “oficialmente
pobre”.
As determinações
constantes do provimento parecem olvidar dos estudos da labelling approach de H. Becker e da criminologia crítica: com
efeito, a possibilidade de realizar julgamentos morais, tal qual se outorga aos
oficiais de justiça, contribui para afastar a imparcialidade do julgador, algo
que deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.
Além disso, no que se
refere ao momento da exação das custas, o provimento acaba por violar a reserva
de lei. Ora, não se está a questionar a natureza tributária das custas
processuais, mas o elemento temporal, relativo ao momento de incidência do fato
gerador, deve estar previsto na norma matriz de incidência, sobre a qual, nos
termos da Constituição pende reserva de lei. Não se pode, portanto, definir em provimento
do Tribunal matéria cuja regulamentação exige lei em sentido material.
É precisamente porque
invadiu competência que não se lhe concedeu que o Tribunal de Justiça do Mato
Grosso editou provimento absolutamente ilegal. A matéria, aqui, não é inédita e o
Conselho, à unanimidade, vetou que se fixassem critérios para além dos já
exigidos na Lei nº 1060/50:
EMENTA: PROCEDIMENTO DE
CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. PROVIMENTO
019/2006. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RESTRIÇÃO AO PATROCÍNIO DA CAUSA PELA
DEFENSORIA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Pretensão de
invalidação parcial do Provimento nº 019/2006, da Corregedoria de Justiça do
Estado do Piauí, que estabelece restrição de acesso à assistência judiciária gratuita,
permitindo o processamento dos feitos apenas para as partes assistidas por membros
da Defensoria Pública.
2. A Lei nº 1060/50 não
condicionou o benefício da assistência judiciária ao necessário patrocínio da
causa pela Defensoria Pública.
3. A restrição, tal como
posta, inviabiliza o instituto da advocacia voluntária, reconhecidamente
incentivado por este CNJ (Resolução nº 62/2009), e outras eventuais formas de
prestação de assistência jurídica.
Procedência do pedido
para desconstituição do ato questionado.”
Com
certeza o tema está longe de ser novo, entretanto os problemas relativos ao
atendimento das exigências legais para a concessão da gratuidade de justiça são
demasiadamente corriqueiros, sobretudo em primeiro grau de jurisdição.
Neste
sentido, a decisão do CNJ, ainda que não inovadora, surge como pilar de
sustentação da segurança jurídica e do respeito as leis.
Alexandre Lima de Almeida, advogado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário