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16 março 2012

DECISÃO DO CNJ ANULA PROVIMENTO DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO QUE FIXOU CRITÉRIOS PARA A ISENÇÃO DE CUSTAS


DECISÃO DO CNJ ANULA PROVIMENTO DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO QUE FIXOU CRITÉRIOS PARA A ISENÇÃO DE CUSTAS


                       Aparentemente a decisão proferida nos autos do Procedimento de Controle Administrativo do CNJ nº 0005027-08.2011.2.00.0000 que anulou o Provimento 07/09 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso poderia ser compreendida como de aplicação estrita as demandas que tramitam naquele Estado.

                        Porém, não é difícil observar que em diversos Tribunais alguns juízes exageram na conduta de “investigar” a verdadeira condição econômica da parte que requer o benefício previsto no parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 1.060/50 (Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.” – “Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”).

                        As decisões contrárias a concessão da gratuidade de justiça invariavelmente requerem provas da condição de hipossuficiência fazendo, assim, pouco caso do disposto no artigo 4º da Lei nº 1.060/50 (“Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.” – “§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.” – “§ 2º. A impugnação do direito à assistência judiciária não suspende o curso do processo e será feita em autos apartados.” – § 3º A apresentação da carteira de trabalho e previdência social, devidamente legalizada, onde o juiz verificará a necessidade da parte, substituirá os atestados exigidos nos §§ 1º e 2º deste artigo.”).

                        Neste sentido, podem ser citados exemplificativamente os seguintes julgados:

 “EMENTA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
Indeferimento da inicial Assistência Judiciária gratuita Ausência de recolhimento das custas  processuais - Isenção do pagamento que se traduz em benefício Hipossuficiência que deve estar demonstrada Ausência nos autos de prova do alegado Sentença mantida - Recurso desprovido.”
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - Apelação nº 0131360-06.2010.8.26.0100 - São Paulo - Voto nº 17376 2 - Voto nº: 17.376 - Apelação Cível nº: 0131360-06.2010.8.26.0100 - Comarca: São Paulo 37ª Vara - 1ª Instância: Processo nº: 1131360/2010 – Relator SALLES ROSSI)


                        No voto, o Relator apresentou o seguinte fundamento:

“Com efeito, o deferimento da gratuidade com a juntada de simples declaração não atende ao comando da norma e tampouco poderia ser compreendido dentro da finalidade instrumental do processo, cabendo ao Juiz sopesar as provas colhidas nos autos e avaliar, inclusive, se há ou não, os sinais exteriores de riqueza que possibilitam conclusão oposta ao pedido da gratuidade processual que por si só exclui a hipossuficiência invocada.
No caso em análise, inexistindo documentos que atestem a incapacidade financeira do recorrente em arcar com as custas do processo, de rigor a manutenção da r. sentença pelos seus bem lançados fundamentos.”

                           Outro julgado que pode ser citado vem do Rio de Janeiro:

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE GRATUIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA QUE NÃO FOI COMPROVADA. RECURSO DESPROVIDO.1. Se o Agravante realmente não possuí condições financeiras para arcar com o pagamento das custas judiciais sem o prejuízo do próprio sustento, deveria ter juntado aos autos a cópia de sua última declaração de Imposto de Renda ou da escritura que comprove a propriedade do imóvel em que reside, em nome de seus parentes, ou até mesmo uma declaração com o fim de demonstrar que não paga aluguel, conforme afirmado, para que tal fato fosse demonstrado com clareza para o Juízo.2. Ausente qualquer argumento capaz de infirmar a decisão recorrida, e não tendo o Agravante apresentado nenhum documento hábil a comprovar sua hipossuficiência econômica para fins de concessão do benefício da gratuidade de justiça, deve ser mantida a decisão que negou seguimento ao Agravo de Instrumento. 3. Agravo Interno a que se nega provimento.
(P. 0053945-14.2011.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. JACQUELINE MONTENEGRO - Julgamento: 29/02/2012 - VIGESIMA CAMARA CIVEL)

                        Considerando os fundamentos as vezes adotados por alguns juízes, denota-se claramente o intuito de negar aplicação ao texto legal.

                        Por tal motivo o CNJ assim decidiu:

“EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO. JUSTIÇA GRATUITA.
REGULAMENTAÇÃO DE CRITÉRIOS DE CONCESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. RESERVA LEGAL.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PARA ANULAR O PROVIMENTO.
1. Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo interposto Walter Pereira de Souza contra provimento da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que fixou critérios para a concessão de isenção de custas aos beneficiários da justiça gratuita.
2. Em uma primeira análise, pode até parecer que o provimento matogrossense apenas explicite diligências que, em verdade, estão na Lei. No entanto, ao explicitá-las, ou seja, ao exigir que o juiz adote uma postura positiva, o provimento indiretamente impõe um ônus à parte que requer o benefício da assistência judiciária gratuita.
3. O provimento exige, ainda, que os oficiais de justiça, notando sinais exteriores que evidenciem condições econômicas de pagamento das custas, relatem o ocorrido ao juiz da causa.
4. As determinações constantes do provimento parecem olvidar dos estudos da labelling approach de H. Becker e da criminologia crítica: com efeito, a possibilidade de realizar julgamentos morais, tal qual se outorga aos oficiais de justiça, contribui para afastar a imparcialidade do julgador, algo que deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.
5. Além disso, no que se refere ao momento da exação das custas, o provimento acaba por violar a reserva de lei. Ora, não se está a questionar a natureza tributária das custas processuais, mas o elemento temporal, relativo ao momento de incidência do fato gerador, deve estar previsto na norma matriz de incidência, sobre a qual, nos termos da Constituição pende reserva de lei.
6. Procedimento de Controle conhecido e provido.”
(PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº 0005027-08.2011.2.00.0000 - RELATOR : Conselheiro NEVES AMORIM - REQUERIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATOGROSSO - ASSUNTO : CGT/ TJMT – CONSOLIDAÇÃO – NORMAS GERAIS – ILEGALIDADE)

                        Para a correta compreensão da matéria, é importante transcrever trecho do Provimento acima mencionado constante do voto do relator do CNJ, Conselheiro Neves Amorim:

“Da assistência judiciária gratuita
Art. 3.º- Acrescentar os itens 2.14.8.1.2, 2.14.8.1.3, 2.14.8.1.4, 2.14.8.1.5 e 2.14.8.1.6, com as seguintes redações:
2.14.8.1.2 - Para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, prevista na Lei n.º 1.060/50, deverá o magistrado fazer uma averiguação superficial sobre as condições financeiras da parte requerente, inclusive, se necessário, com consulta ao Sistema INFORJUD (Secretaria da Receita Federal), Detran, Brasil Telecom e Junta Comercial, ferramentas essas disponibilizadas no Portal dos Magistrados.
2.14.8.1.3. Restando negativa a investigação referida no subitem anterior, deverá o Juiz deferir o benefício, em caráter provisório, para que não haja prejuízo à tramitação do processo (Lei n.1.060/50, art.5.º).
2.14.8.1.4. É vedado o deferimento do recolhimento de custas e despesas processuais para o final do processo.
2.14.8.1.5. Concedida a Justiça Gratuita, a qualquer momento o Oficial de Justiça, notando sinais exteriores que evidenciem condições econômicas de o beneficiário “pagar as custas do processo e demais verbas processuais” (Lei n.1.060/50, art. 2º, § 2º), relatará, por escrito, ao Juiz, descrevendo os fatos observados.
2.14.8.1.6. No curso do processo, restando evidentes sinais de suficiência econômica da parte beneficiária, deve o magistrado proceder na forma ditada pelo art. 8.º da Lei da “Justiça Gratuita”.


                        A fundamentação do voto do Conselheiro do CNJ elucida qualquer dúvida:

“A Lei nº 1060/50 tampouco estabelece qualquer obrigação aos oficiais de justiça. Não que a Corregedoria não possa lhes dar novas atribuições, mas exigir que apenas por sinais exteriores o oficial noticie ao juiz para que revogue o benefício é prática nitidamente discriminatória e vexatória, menos para quem comete irregularidades do que para os verdadeiros beneficiários que receberão, de fato, a etiqueta de “oficialmente pobre”.
As determinações constantes do provimento parecem olvidar dos estudos da labelling approach de H. Becker e da criminologia crítica: com efeito, a possibilidade de realizar julgamentos morais, tal qual se outorga aos oficiais de justiça, contribui para afastar a imparcialidade do julgador, algo que deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.
Além disso, no que se refere ao momento da exação das custas, o provimento acaba por violar a reserva de lei. Ora, não se está a questionar a natureza tributária das custas processuais, mas o elemento temporal, relativo ao momento de incidência do fato gerador, deve estar previsto na norma matriz de incidência, sobre a qual, nos termos da Constituição pende reserva de lei. Não se pode, portanto, definir em provimento do Tribunal matéria cuja regulamentação exige lei em sentido material.
É precisamente porque invadiu competência que não se lhe concedeu que o Tribunal de Justiça do Mato Grosso editou provimento absolutamente ilegal. A matéria, aqui, não é inédita e o Conselho, à unanimidade, vetou que se fixassem critérios para além dos já exigidos na Lei nº 1060/50:
EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. PROVIMENTO 019/2006. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RESTRIÇÃO AO PATROCÍNIO DA CAUSA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Pretensão de invalidação parcial do Provimento nº 019/2006, da Corregedoria de Justiça do Estado do Piauí, que estabelece restrição de acesso à assistência judiciária gratuita, permitindo o processamento dos feitos apenas para as partes assistidas por membros da Defensoria Pública.
2. A Lei nº 1060/50 não condicionou o benefício da assistência judiciária ao necessário patrocínio da causa pela Defensoria Pública.
3. A restrição, tal como posta, inviabiliza o instituto da advocacia voluntária, reconhecidamente incentivado por este CNJ (Resolução nº 62/2009), e outras eventuais formas de prestação de assistência jurídica.
Procedência do pedido para desconstituição do ato questionado.”

                        Com certeza o tema está longe de ser novo, entretanto os problemas relativos ao atendimento das exigências legais para a concessão da gratuidade de justiça são demasiadamente corriqueiros, sobretudo em primeiro grau de jurisdição.

                        Neste sentido, a decisão do CNJ, ainda que não inovadora, surge como pilar de sustentação da segurança jurídica e do respeito as leis.


Alexandre Lima de Almeida, advogado.