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21 agosto 2008

Reformas processuais e o assoberbamento do judiciário

Reformas processuais e o assoberbamento do judiciário

Pode-se afirmar que desde a publicação e vigor da Emenda Constitucional nº 45, de 30.dez.04, o Judiciário brasileiro passou a vivenciar “ondas” reformistas voltadas para a maior celeridade processual.

Neste contexto, que o artigo 5º da Constituição da República de 1988 passou a contar com o inciso LXXVIII, vejamos:

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Houve alteração, ainda, do artigo 102 da Carta Magna, onde foi inserido o parágrafo 3º com a seguinte redação:

“§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros." (NR)”

A Emenda Constitucional nº 45 trouxe ainda a possibilidade de criação da súmula vinculante pelo STF como medida de filtro a matérias constitucionais discutidas reiteradamente em processos, conforme disposto no artigo 2º da Lei nº 11.417, de 19.dez.06:

Art. 2º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

A referida “onda” reformista que, até então, trazia filtros de proteção a atuação do STF, no mesmo ano de 2006, passou a criar novo filtro protegendo o STJ, o que se vê na publicação da Lei nº 11.418, de 19.dez.06, que alterou o Código de Processo Civil trazendo a exigência de repercussão geral do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

É neste contexto que se insere a lição do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Augusto Delgado (Reflexões sobre as alterções no Direito Processual Civil Brasileiro a partir da EC nº 45, DE 31.12.2004, e as repercussões no Direito Judiciário Trabalhista), sobre o tema:

Do pensamento e das conclusões do mencionado doutrinados, pela importância da mensagem expedida, destacamos as partes seguintes:
a) Pode parecer um pouco exagerada em uma primeira análise a definição do ‘direito à duração razoável do processo’ como sendo questão atinente aos ‘direitos humanos’, principalmente se comparado ao ‘direito à vida’, à ‘integridade e liberdade pessoal’, à ‘liberdade de pensamento e expressão’ ou ao ‘veto à escravidão e exploração humana’, que são, sem dúvida, de muito maior relevo e gravidade. Todavia, esses últimos, até por serem mais genéricos e conhecidos, normalmente são respeitados e possuem mecanismos próprios para evitá-los e coibi-los quando ocorrem, ao contrário da duração exagerada e absurda do processo, que é um problema e uma preocupação em todo o mundo, embora de forma mais velada e dificilmente equacionada” (Obra citada, p. 211).
b) Acerca dessa preocupação mundial com a duração do processo, interessante reproduzir nota de rodapé contida na obra Manual de Direito Processual Civil, do Mestre Arruda Alvim: ‘É vasa a literatura contemporânea, revelando a 11
Reflexões sobre as alterações no Direito Processual Civil Brasileiro a partir da EC n. 45, de
31.12.2004, e as repercussões no Direito Judiciário Trabalhista
universalidade do tema, no que diz respeito à sensação, senão, mesmo, à clara percepção do descompasso existente entre as sociedades civis e os seus aparatos estatais. O que varia é a extensão real do problema, a que é geralmente correlato o grau de insatisfação. V..., a respeito Mauro Cappelletti e Bryan Garth, Access to Justice, A Word Suvei, (Acesso à Justiça- Uma visão Mundial), com inúmeras publicações em diversos países, que é o relatório geral sobre o assunto, elaborado à luz das múltiplas informações dos relatores nacionais; ainda, veja-se Access to Justice and the Welfare State (Acesso à Justiça é o Estado de Bem-Estar), editado por Mauro Cappelletti, com a assistência de John Weiner e Mônica Seccombe, 1981, com diversas publicações, ainda, de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, editado em abril de 1983, Finding na Appropriate Compromise. A Coparative Study of individualistic Models and Group Rigths in Civil Procedure (Na busca de um compromisso adequado: um estudo comparativo dos modelos individualistas e dos direitos dos grupos no processo civil). Pode-se dizer que esta referência bibliográfica, iniciada em função de se terem tornado aguda as pressões com o descontentamento dos grupos sociais, revelou-se interminável e se iniciou aproximadamente uma duas décadas depois da segunda guerra mundial. Na América Latina é digno de leitura o trabalho de Morello, Berinzonce, Hitter e Nogueira, La Justicia enre dos Épocas, La Plata,1983, passim, mas, especialmente, o trabalho de Augusto Mario Morello, capítulo II, Las Nuevas Exigências de tutela (Experiências y alternativas para repensar la política procesal y asegurar la eficácia del servicio (ob. cit. p. 388-389)” (pp. 211/212).
c) Um Estado democrático não pode abandonar seus cidadãos a um processo lento e viciado, pois não é raro que as vidas e o destino das pessoas estejam diretamente vinculados à solução de um determinado processo, motivo pelo qual é extremamente leviano fazê-los aguardar tempo excessivo pela decisão judicial, somente porque falta interesse e vontade política para estruturar e aparelhar adequadamente o Poder Judiciário. Como dissemos no corpo do trabalho, um processo que dura um dia a mais do estritamente necessário não terá duração razoável e já será injusto (ob. cit. p. 212).
d) Nosso posicionamento é cristalino no sentido de que o Estado é responsável objetivamente pela exagerada duração do processo, motivada por culpa ou dolo do juiz, bem como por ineficiência da estrutura do Poder Judiciário, devendo indenizar o jurisdicionado prejudicado – autor, réu, interveniente ou terceiro interessado -, independentemente 12
Reflexões sobre as alterações no Direito Processual Civil Brasileiro a partir da EC n. 45, de
31.12.2004, e as repercussões no Direito Judiciário Trabalhista
de sair-se vencedor ou não na demanda, pelos prejuízos materiais e morais. (Ob. cit. p. 219).
e) A natural duração do processo já acarreta danos às partes, razão de o legislador prever, entre outras medidas, o seqüestro, a execução provisória, a correção monetária e, atualmente, a antecipação dos efeitos da tutela a minimizar os prejuízos advindos da espera. Contudo, necessário se faz acabar com a morosidade que decorre dos mais diversos fatores e que prolonga o processo muito além do essencial e justo. (Ob. cit., p. 220).
f) A tutela jurisdicional correta, eficaz e justa deve ser exaltada não só pelo advogado, mas também pelo próprio juiz que a concede, pois este deve ser imparcial sem ser insensível à realidade da vida, lembrando que não julga papéis somente, mas a vida de pessoas e questões como honra, patrimônio e destino.
g) A excessiva demora do julgamento dos recursos cria um ciclo vicioso que incentiva a parte vencida na demanda a recorrer como modo de procrastinar o início da execução, uma vez que a apelação tem por regra o efeito suspensivo, que mantém a sentença em um grau de ineficácia no plano fático. Fosse a regra do recebimento somente no efeito devolutivo, por certo haveria um desestímulo à interposição de recursos de apelação. (Ob. cit. p. 223).

Por fim, este ano foi publicada a Lei nº 11.672, de 08.maio.08, que trata dos recursos repetitivos[1], onde o STJ poderá receber um ou mais recursos que tratem de determinada matéria e suspender nos Tribunais Regionais o até pronunciamento final da Corte superior (art. 1º § 1º e 2º).

Vale observar que todas estas medidas ora previstas em emenda constitucional, ora prevista em lei, não violam o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, ou seja, não atinge o direito a um processo justo (art. 5º, inc. XXXV e LIV, da CR/88).

Vale dizer que a edição de súmulas vinculantes, a exigência de repercussão geral de recurso e a suspensão de processos repetitivos não tem o condão de suprimir o direito ao contraditório e ampla defesa (art. 5º, inc. LV, da CR/88), ou ao próprio princípio do devido processo legal, pois tais garantias fundamentais sempre serão permitidas nos Tribunais Regionais e nas instâncias ordinárias.

Registre-se que, se de um lado recursos que tratam de matérias já decididas exaustivamente pelo STF e STJ deixaram de ser julgados, por outro lado estes Tribunais terão melhores condições de, em tese, apreciar matérias ainda não unânimes ou simplesmente novas que merecerão maior e melhor atenção.

Importante salientar que, ao contrário da suposta supressão de garantias, o sistema de filtragem de recursos trará maior segurança jurídica ao jurisdicionado, pois aquelas matérias alvo de súmula vinculante pelo STJ, ou de análise do STJ na hipótese de recurso repetitivo, importará em, no primeiro caso, estrita observância ao decidido na súmula vinculante tornando certa a matéria constitucional resolvida, e, no segundo caso, o STJ assinalará como, de forma dominante, decidirá a respeito de determinada matéria, oportunidade em que as partes, ainda demandando perante os Tribunais Regionais, saberão o possível provimento jurisdicional acaso a matéria seja encaminhada ao STJ.

E é com este objetivo, qual seja, agilizar o sistema recursal barrando recursos pertinentes, porém cujas questões já forma decididas anteriormente, ou não mereçam análise dos Tribunais Superiores, que ainda haverão outras alterações como forma de otimizar a atuação do Judiciário sem, no entanto, suprimir direitos e garantias.
Importe, ainda, citar trabalho realizado pelo Ministro aposentado do STJ, Sálvio de Figueiredo Teixeira (TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma processual no contexto de uma nova justiça. BDJur, Brasília, DF. 28 fev. 2008. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16557.), que destacou a necessidade de reformas no campo de processo civil e que, até o momento, não se encontram convertidas em lei, sendo muitas delas necessárias a maior celeridade processual, vejamos:

“Para se ter uma idéia geral, embora não completa, das alterações propostas, transcreve-se a seguir parte de texto escrito em 1993 e destinado ao “2º Congresso Nacional de Direito Processual Civil,5 quando somente 1 (um) dos 11 (onze) projetos havia se convertido em lei:
5.1 - No projeto de alteração da sistemática da prova pericial, que resultou na Lei nº 8.455/92, buscou-se:
a) dispensa de compromisso do perito e dos assistentes-técnicos (art. 422);
b) qualificação dos assistentes-técnicos como assessores das partes, sem suspeição ou impedimento; c) dispensa de intimação dos assistentes-técnicos; d) dispensa da perícia quando os laudos vierem com a inicial e com a contestação (art. 427); e) possibilidade de o perito e de os assistentes apenas narrarem na audiência o que periciaram (art. 421, § 2º); f) redução dos atos processuais. Segundo consta, as inovações estão a receber o aval do foro e da doutrina.
5.2 - No projeto concernente à liquidação, dois foram os objetivos principais, ao lado de outras modificações de menor porte:
a) eliminar a discussão, geradora de incidentes e recursos, sobre a necessidade ou não de citação, optando-se pela citação na pessoa do advogado, como o próprio código admite nos casos de embargos de terceiro, reconvenção e oposição;
b) eliminar a modalidade de liquidação de sentença por cálculo do contador, possibilitando que o simples cálculo aritmético (como nas hipóteses de aluguéis, rendimentos, pensões, juros, correção monetária) seja feito na própria petição da ação executiva, a exemplo do CPC de Portugal (art. 805), ensejando ao executado impugnar o cálculo, se o reputar incorreto, na via dos embargos do devedor (CPC, art. 741, V);
5.3 - O projeto concernente à citação e à intimação prioritariamente, como regra, pela via postal, procura atender aquilo que a praxe cada vez mais vem adotando, tamanho e tão graves os inconvenientes do sistema atual da comunicação desses atos processuais, que encarece a prestação jurisdicional, concorre para a sua lentidão, para a prática de chicanas de toda sorte, e, não raras vezes, enseja condutas lesivas e antiéticas.
Além das cautelas que o projetado sistema exige, ressalva-se a citação por oficial de justiça nas seguintes hipóteses: nas ações de estado; quando for ré pessoa incapaz ou de direito público; nos processos de execução; nas hipóteses de frustração pela via postal; nos casos de mera opção pelo autor.
Tal forma de citação não só é utilizada no melhor direito estrangeiro como
também já é prevista em diversos diplomas do ordenamento jurídico brasileiro, como na lei de alimentos, na execução fiscal, no juizado de pequenas causas e até mesmo em resoluções judiciárias.
Além de ensejar também as intimações pelos correios, o que por si só já justificaria o projeto, amplia-se a possibilidade de o oficial de justiça efetuar citações e intimações em qualquer das comarcas de região metropolitana, nos casos de citação por mandado.
5.4 - O projeto do agravo tem uma crônica peculiar, que bem retrata a dificuldade na aprovação de um projeto mesmo quando acordes os segmentos que o prepararam. Em termos de resultados práticos e de engenho e arte em sua elaboração, talvez seja o melhor dos onze projetos.
Consiste ele na classificação de duas modalidades de agravo:
a) o retido, nos moldes atuais, com incorporação dos acréscimos sugeridos pela doutrina e jurisprudência, apresentando-se como única via possível em determinadas hipóteses; b) o de instrumento, no qual a interposição é feita diretamente no protocolo do Tribunal ou através da via postal, cabendo ao agravante instruí-lo. O relator poderá dar-lhe efeito suspensivo, ouvirá o juiz se entender necessário ou conveniente, intimará o
recorrido na pessoa do seu advogado, pelos correios (ou pelo órgão oficial, nas comarcas sede de tribunal), ouvirá o Ministério Público nas hipóteses legais e em trinta dias colocará o feito em julgamento.
Em ambas as modalidades poderá o juiz exercer a retratação, que é da índole do recurso.
Adota-se, mutatis mutandis, com singeleza, procedimento semelhante ao da ação do mandado de segurança, tendo como principais vantagens em relação à legislação atual:
a) eliminar o uso anômalo do mandado de segurança para a obtenção de efeito suspensivo;
b) praticamente afastar o uso procrastinatório desse recurso, que tantos males causa ao princípio da rapidez na prestação jurisdicional;
c) desestimular o uso do próprio recurso, na sua modalidade de instrumento. Não sendo recomendável extinguir-se esse recurso e nem a sua utilização apenas na modalidade retida, uma vez que maior seria o uso do mandado de segurança em tais hipóteses, fica a certeza que o modelo proposto seria de inegável vantagem em relação ao atual.
5.5 - Um quinto projeto trata das modificações não destacadas atinentes ao processo cautelar e ao processo de conhecimento.
Em relação ao primeiro, tímidas são as sugestões propostas, e por mais de uma razão. Uma delas, porque a proposta da comissão de reconhecer-se em texto legal a desnecessidade do ajuizamento da ação principal, quando exauriente a cautelar, esbarrou nos órgãos de consulta do Executivo. Uma outra, porque as alterações objetivando suprir a nossa carência legislativa de tutela de urgência, de cognição sumária, tão reclamada entre nós, e fundamentadamente, pela corrente liderada por Ovídio Baptista da Silva, não se localizam especificamente no Livro III do Código, mas em outros setores, que também foram objeto de atenção. Na realidade, a nossa ação cautelar inominada tem sido utilizada anomalamente, como técnica de sumarização, contra o anacronismo e a morosidade do procedimento ordinário, reconhecido que o nosso Direito, como o europeu continental de origem latina, não dispõe de mecanismos suficientemente eficazes, a exemplo dos injuncionais do Direito anglo-americano, que ainda se reforça com o instituto coercitivo do "contempt of court". E uma terceira razão, porque, repetindo, não se cuida de uma reforma profunda do Código, mas parcial, dos seus pontos de estrangulamento, para tornar o nosso processo menos burocratizado, mais ágil e eficiente.
5.6 - Esses objetivos foram perseguidos em relação ao processo de conhecimento. Consoante sua exposição de motivos, são suas alterações de maior destaque:
a) o incentivo à conciliação como forma alternativa de solução do conflito, inclusive com a previsão da audiência preliminar de conciliação quando a lide versar direitos disponíveis (arts. 125, V e 331);
b) o estímulo aos modernos métodos de documentação recomendados pela atual tecnologia (art. 170);
c) a solução à tormentosa e antiga polêmica sobre a necessidade ou não da participação do cônjuge, como autor e réu, nas ações possessórias (art. 10);
d) a dispensa do reconhecimento de firma na procuração outorgada ao advogado (art. 38);
e) a adoção do litisconsórcio facultativo recusável, recomendada pela doutrina por força de situações práticas típicas de conflitos hoje verificados na sociedade de massa em que vivemos (art. 46);
f) dispensa de despacho judicial de atos meramente ordinatórios (art. 162, § 4º);

g) realização de atos processuais até as 20:00 horas (art. 172);
h) a introdução do instituto da antecipação da tutela, cercado das necessárias cautelas (art. 273);
i) a sistemática para tornar mais eficaz o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer, determinando ao juiz a observância da tutela específica e de providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, com possibilidade de liminar fundamentada e de imposição de multa ao réu (art. 461);
j) a melhor disciplina do instituto da litigância de má-fé (art.18), dos honorários advocatícios na execução (art. 20), dos honorários do perito (art. 33), da renúncia ao mandato (art. 45), da interrupção da prescrição (art. 219), da intimação das testemunhas por mandado (art. 239, parágrafo único, III), do procedimento relativo ao indeferimento da petição inicial e atos subseqüentes (art. 296) e da documentação para a prova pericial (art. 417).
Merecem relevo, no entanto, dentre todas elas, exatamente pela carga de efetividade que contêm, as relativas à conciliação, ao instituto da antecipação da tutela e à destinada ao art. 461 (da tutela específica), que encontra modelo similar no art. 84 do Código de Proteção ao Consumidor.
5.7 - Ainda no âmbito do processo de conhecimento, mas destacado do respectivo projeto para evitar eventuais dificuldades de tramitação e aprovação, elaborou-se projeto objetivando dar tratamento infraconstitucional ao fenômeno, verificado especialmente na Justiça Federal, das denominadas "demandas múltiplas", quando milhares de pessoas ajuízam causas tendo por suporte uma mesma questão jurídica e as decisões judiciais nem sempre são convergentes, daí resultando insegurança e até mesmo perplexidade, com desprestígio para o Judiciário e intranqüilidade no meio social.
Não poucas vezes, para obviar tais inconvenientes, já se cogitou da ação avocatória, instrumento de duvidosa juridicidade e justificadamente repudiado pela comunidade jurídica. O que se propõe é bem diverso, sem os males daquela e com evidentes vantagens, respeitando os princípios processuais básicos e a fiel observância dos trâmites processuais pelas diversas instâncias. Institui-se, em nível infraconstitucional, mecanismo uniformizador de jurisprudência (art. 479), a dar solução rápida ao angustiante fenômeno das decisões conflitantes, hoje tão presentes no cenário forense nacional.
Nos termos do projeto, poder-se-á, em causa já em tramitação no tribunal, propor o pronunciamento deste sobre a tese jurídica questionada.
Sumulada a tese, e sem prejuízo do prosseguimento normal de todos os processos em andamento:
a) será defeso, aos órgãos de qualquer grau de jurisdição, subordinados ao tribunal que proferiu a decisão, a concessão de liminar que a contrarie;
b) cessará a eficácia das liminares concedidas;
c) o recurso contra a decisão que contrarie a súmula terá sempre efeito suspensivo;
d) nos processos pendentes e nos posteriores, com pretensão fundada na tese da súmula, poderá ser concedida a antecipação da tutela, prosseguindo o feito até final do julgamento. Em suma, "a inovação proposta ajusta-se ao sistema processual vigente, não agride o devido processo legal e contribuirá de forma hábil, rápida e segura para uma eficaz e pronta solução jurídica em campo de tantas inquietações".
5.8 - O projeto de reforma do procedimento conhecido como sumaríssimo começa por modificar o seu próprio rótulo, denominando-o de sumário e deixando a expressão sumaríssimo para os juizados especiais previstos
na Constituição.

Substanciais modificações são nele propostas, sendo de destacar-se:
a) a racionalização do elenco das causas a ele sujeitas, afastando as que normalmente reclamam contraditório mais amplo;
b) a possibilidade da conversão em procedimento ordinário, especialmente quando se fizer necessária prova técnica de maior complexidade;
c) a previsão de uma audiência inaugural de conciliação, seguindo o exemplo da praxe trabalhista e das experiências marcadamente bem-sucedidas dos juízes que assim têm procedido, para a qual o réu será previamente citado, podendo o juiz ser auxiliado por conciliador, a exemplo do que vem ocorrendo com sucesso no juizado de pequenas causas, devendo a contestação, com documentos e rol de testemunhas, ser apresentada de imediato se não obtida a conciliação;
d) possibilidade do julgamento antecipado da lide, a melhor das inovações do código de 1973;
e) o caráter dúplice dado às causas sob seu processamento, a exemplo do que ocorre com as ações possessórias (CPC, art. 922), compatibilizando a realidade com a vedação de reconvenção do art. 315, § 2º, sem os malabarismos da praxe atual, sobretudo nos casos de indenização por acidente de trânsito;
f) a incorporação da moderna tecnologia de documentação;
g) a vedação da intervenção de terceiros, salvo nos casos de assistência e recurso de terceiro prejudicado.
5.9 - Além do projeto específico sobre a mudança do modelo do agravo, um outro trata dos recursos em geral.
São notórias as críticas ao nosso sistema recursal, ensejador de múltiplas impugnações e conseqüente atraso na entrega da prestação jurisdicional.
Estivéssemos a formular um novo código, certamente esse seria um dos pontos a serem repensados, com o avanço que a etapa atual não permite, pena de inviabilizar-se o esforço ora desenvolvido, que objetiva contar com apoio consensual tanto quanto possível. Repetindo, não se está a fazer um novo código, mas a dar condições de boa, ágil e efetiva aplicação ao atual, ensejando, inclusive, condições para novas e futuras alterações, à medida que os segmentos jurídicos nacionais despertarem para a compreensão de que juntos poderão influir, de forma benéfica, com proveito geral, para o aprimoramento do nosso ordenamento legal.
Após esta observação preliminar, é de anotar-se que dois são os objetivos principais do projeto de que se cuida, a saber: integrar ao texto do código as normas relativas aos recursos extraordinário e especial, e simplificar os procedimentos recursais, sobretudo quanto à interposição. Assim, dentre outras modificações, propõe-se:
a) interposição do recurso adesivo no prazo de que a parte dispõe para responder;
b) ressalvada a disciplina específica do agravo, permitir que norma local de organização judiciária disponha sobre a forma de recebimento dos recursos;
c) uniformização dos prazos recursais (art. 508) em quinze (15) dias, salvo os casos de agravo e embargos declaratórios;
d) simplificação do preparo;
e) dar efeito interruptivo aos embargos declaratórios, eliminando a polêmica a respeito da contagem dos prazos, ensejadora freqüente de recursos, com disciplina sancionatória mais objetiva aos embargos protelatórios, especialmente quando reiterados;
f) supressão da "conferência" dos acórdãos e obrigatoriedade de ementas para fins de pesquisa e indexação da jurisprudência, nestes tempos de informatização a que felizmente estamos chegando.
5.10 - O que se disse em preliminar a propósito dos recursos, em termos de modificação estrutural, poder-se-ia repetir quanto ao processo de execução, sabido o quão burocratizado e complexo é o nosso sistema, ao contrário do que ocorre em alguns países mais evoluídos, em que a execução do julgado se dá perante órgãos administrativos, somente se sujeitando ao Judiciário eventuais incidentes não contornáveis naquela esfera. Importantes alterações, todavia, são propostas no projeto:
a) ampliação do elenco dos títulos executivos,
sobretudo os extrajudiciais, atribuindo eficácia executiva não só ao documento do qual conste obrigação de pagar, ou de dar coisa fungível, como também aos documentos públicos ou particulares em geral, quando assinados pelo devedor, sem as restrições da legislação atual; aos documentos alusivos a obrigações de dar coisa certa (infungível), ou de fazer ou não fazer, sempre com o pressuposto da liquidez, certeza e exigibilidade;
b) cominação de multas a sancionar os "atos atentatórios à dignidade da justiça";
c) melhor disciplina da multa como meio coercitivo indireto na execução das obrigações de fazer ou de não fazer;
d) inscrição da penhora no registro, para maior segurança jurídica dos interessados e para dificultar a fraude de execução;
e) maior ênfase à repulsa ao preço vil e simplificação do procedimento da alienação em hasta pública dos bens penhorados, com maior flexibilidade, utilizando-se inclusive a via radiofônica, a publicidade própria dos negócios imobiliários e a reunião de editais em listas referentes a várias execuções;
f) fixação do dies a quo para oferecimento dos embargos (art. 738, I), tendo em vista a uniformização com a regra geral.
5.11 - Dois procedimentos especiais do código receberam alterações em um outro projeto: o de usucapião e o de consignação em pagamento.
Quanto ao primeiro, para suprimir a audiência preliminar de justificação de posse, induvidosamente injustificável. Quanto ao segundo, para ensejar, sem ofensa ao princípio constitucional do acesso ao Judiciário, a liberação do devedor pela via extrajudicial, com a utilização do sistema bancário, sem ônus e com celeridade, a exemplo do que ocorre no direito europeu, principalmente no modelo italiano.
Ainda quanto à consignação, quando judicial, o projeto prevê:
a) que o réu indique, na hipótese de alegar depósito a menor, o montante que entender realmente devido;
b) possibilidade do credor levantar desde logo a quantia, ou a coisa, sobre a qual não houver controvérsia;
c) na hipótese de insuficiência do depósito, e quando possível, a fixação do
quantum devido, podendo o credor executá-lo nos mesmos autos.
5.12 - Finalmente, um projeto contempla o denominado procedimento monitório ou injuntivo, em sua modalidade documental.
De sua exposição de motivos, colhe-se:
Introduz-se no atual direito brasileiro, com este projeto, dentro de um objetivo maior de desburocratizar, agilizar e dar efetividade ao nosso processo civil, a ação monitória, que representa o procedimento de maior sucesso no direito europeu, adaptando o seu modelo à nossa realidade e às cautelas que a inovação sugere.
A finalidade do procedimento monitório, que tem profundas raízes no antigo direito luso-brasileiro, é abreviar, de forma inteligente e hábil, o caminho para a formação do título executivo, contornando o geralmente moroso e caro procedimento ordinário.”

Alexandre Lima de Almeida, advogado.

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[1] O STF já havia decidido, em 28.fev.07, pelo não recebimento de recursos sobre a mesma matéria, quando do julgamento do RE 519.394, em que se discutia elevação do coeficiente da pensão por morte para 100% do salário do segurado, oportunidade em que a Corte Suprema se utilizou, analogicamente, da Lei 10.259/01 e de seu próprio Regimento Interno.

20 agosto 2008

Bloqueio "on line" e BACEN JUD

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS Nº 200710000014784
RELATOR : ANTONIO UMBERTO DE SOUZA JÚNIOR
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONVÊNIO BACENJUD. PENHORAS
MÚLTIPLAS. SUGESTÃO DE CADASTRAMENTO FACULTATIVO DE
CONTA ÚNICA. APERFEIÇOAMENTO DO SISTEMA. São inequívocos
os benefícios trazidos com o Convênio BACEN JUD,
parceria institucional entre o Banco Central do Brasil e
o Poder Judiciário Nacional que propiciou a agilização e
exatidão das operações de retenção judicial de ativos
financeiros de pessoas naturais e jurídicas executadas.
A vulnerabilidade simultânea de todas as contas que o
mesmo executado titularize em mais de uma instituição
bancária, enquanto não sobrevenha evolução tecnológica
apta a evitá-la, recomenda a adoção de procedimento, a
exemplo do que já implantou a Corregedoria-Geral da
Justiça do Trabalho, que possibilite a inscrição prévia
de uma conta bancária concentradora de todos os gravames
judiciais eletrônicos. Pedido acolhido. Expedição de
resolução.



PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS N.° 200710000015818
RELATOR : CONSELHEIRO FELIPE LOCKE CAVALCANTI
EMENTA:
JUIZ DE DIREITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
MINAS GERAIS. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. Obrigatoriedade do
cadastramento do Magistrado que atue em processo de execução
de quantia certa contra devedor solvente no sistema “BACEN JUD”,
também conhecido como “penhora on-line”.
I- A “penhora on line” é um instrumento que não pode ser
desconsiderado pelo Magistrado e decorre do inegável avanço
tecnológico que traz maior celeridade e efetividade ao processo de
execução, aumentando o prestígio e confiabilidade das decisões
judiciais.
II- A obrigatoriedade do cadastramento no sistema não retira do
Julgador a possibilidade de avaliação e utilização do método em
conformidade com as características singulares do processo e a
legislação em vigor.




PROVIMENTOS DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Provimento nº 3/2003 *

Fonte DJ 26-09-2003 - Republicado em 23-12-2003

Ementa Permite às empresas que possuem contas bancárias em diversas agências do país o cadastramento de conta bancária apta a sofrer bloqueio on line realizado pelo sistema BACEN JUD. Na hipótese de impossibilidade de constrição sobre a conta indicada por insuficiência de fundo, o Juiz da causa deve expedir ordem para que o bloqueio recaia em qualquer conta da empresa devedora e comunicar o fato, imediatamente, à Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho para descadastramento da conta bancária. (NR)

Texto O Ministro RONALDO LEAL, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO o que consta no Pedido de Providência nº PP-96.588/2003, formulado pela Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar);

CONSIDERANDO que as empresas brasileiras que possuem contas bancárias em diversas agências do país podem sofrer bloqueios múltiplos, não desejados pelo Juiz da causa;

CONSIDERANDO que até o momento não existe sistema informatizado de resposta on line das entidades financeiras, o que retarda consideravelmente o desbloqueio das ordens constritivas cumpridas em excesso, pois as agências bancárias respondem por ofício ao Juiz bloqueador;

CONSIDERANDO que, apesar disso, é necessário manter o sistema dos bloqueios indiscriminados, diante do comportamento delituoso de alguns gerentes de banco, que solicitam ao correntista a retirada dos depósitos para evitar a concretização da constrição sobre a conta bancária do cliente;

CONSIDERANDO que é possível evitar os males do bloqueio múltiplo e indesejado com a indicação de uma conta apta a sofrer bloqueio pelo sistema BACEN JUD, desde que a empresa se obrigue a mantê-la com fundo suficiente, sob pena de o bloqueio recair em qualquer uma de suas contas e de o cadastramento ser cancelado pelo TST; (NR)

RESOLVE:

Art. 1º - É facultado a qualquer empresa do país, desde que de grande porte, e que, em razão disso, mantenha contas bancárias e aplicações financeiras em várias instituições financeiras do país, solicitar ao TST o cadastramento de conta especial apta a acolher bloqueios on line realizados por meio do sistema BACEN JUD, pelo Juiz do Trabalho que oficiar no processo de execução movido contra a empresa. (NR)
Art 2º - O pré-cadastramento pode ser feito pela própria empresa, a partir de 1º de fevereiro de 2004, no site www.tst.gov.br, opção extranet – “Bacen Jud – cadastramento de conta”, disponibilizado para esse fim. (NR) § 1º: Para efetivar o cadastramento da conta bancária, a empresa deverá, após preencher todos os campos do formulário disponibilizado no endereço eletrônico citado, encaminhar, no prazo de 5 (cinco) dias, mediante petição dirigida ao Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, documentos que comprovem a multiplicidade de contas bancárias, o número do CNPJ da empresa, o número do CPF do responsável pelo fornecimento dos dados e a titularidade da conta bancária indicada. (NR) § 2º: Os documentos enumerados no parágrafo anterior devem ser enviados no prazo estabelecido, sob pena de o pré-cadastro ser automaticamente excluído do sistema. (NR)
Art 3º - O cadastramento implica imediato direito a bloqueio da conta indicada, cabendo aos Magistrados que utilizam o sistema BACEN JUD, antes de ordenar a constrição, consultar os dados relativos às contas das empresas cadastradas que ficarão disponíveis no citado endereço eletrônico. (NR)
Parágrafo único: O acesso aos dados mencionados no caput será feito com a senha utilizada pelos Juízes para fornecimento de dados estatísticos no sistema Bacen Jud – Estatística, criado pelo provimento nº 1/2003 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.
Art. 4º - O não-atendimento pelas empresas das exigências de manutenção de recursos suficientes ao acolhimento de qualquer bloqueio importará, uma vez comunicado ao Juiz da causa, na expedição de ordem de bloqueio indiscriminado em qualquer conta bancária da devedora.
Parágrafo único: Nessa hipótese, será cientificada a Corregedoria-Geral, que descadastrará a empresa, negando-lhe a faculdade de reiterar a indicação dali por diante. (NR) Art. 5º - Os Tribunais Regionais devem enviar, com a maior brevidade possível, cópia do presente provimento às Varas do Trabalho. (NR)
Publique-se. Cumpra-se. Brasília-DF, 23 de setembro de 2003.

RONALDO LEAL Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho
Republicado em virtude de alteração na redação



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A GÊNESE DO SISTEMA "PENHORA ON LINE"
FÁTIMA NANCY ANDRIGHI
Ministra do Superior Tribunal de Justiça
É certo considerar uma ousadia a pretensão de um aluno em escrever sobre a matéria que faz seu professor brilhar como a estrela maior na constelação dos juristas. Todavia, este ato pode ser justificado e seus efeitos mitigados, quando o ato de escrever é o instrumento utilizado para prestar tributo ao professor. É só por isso que ousamos participar desta obra conjunta para homenagear o professor Humberto Theodoro Júnior, narrando a verdadeira origem do sistema que hoje atende pelo "codinome" penhora on Line, agora adotado no art. 655-A pela Lei 11.382, de 06.12.2006.
Racionalizar os serviços judiciários, organizar a secretaria da Vara, adotar medidas de aceleração e eliminação dos "prazos mortos" enfrentados nos processos foi sempre a nossa verdadeira obsessão durante os 30 anos de magistratura. Nesta busca incessante, cercada por muita frustração, submetemo-nos até a uma formação específica nesta área, ensinada pela Escola da Magistratura da Argentina.
Todo o trabalhador da área do direito tem como assunto preferido e constante a situação do Poder Judiciário e a atuação de seus juízes, dos advogados e todas as circunstâncias que envolvem essa atividade. E isso ocorre mesmo nos encontros informais, não obstante sempre se coloque, como condição anterior à reunião festiva, uma vedação para que se trate de assuntos relacionados ao direito e ao Judiciário.
Foi em meados de 1999, num encontro festivo com meus estimados alunos e ex-alunos, muitos acompanhados dos seus respectivos
A Gênese do Sistema "Penhora on Line"
cônjuges e namoradas, que o assunto proibido fluiu sem que ninguém levantasse sinal de veto.
Naquele encontro, o cônjuge de uma aluna, que é funcionário do Banco Central - João Goulart Júnior - comentou acerca do significativo volume de ofícios que no seu departamento recebia dos juízes de todos os cantos do País, para realizar bloqueios em contas correntes pertencentes a alguma parte envolvida em litígio judicial.
Não perdemos a oportunidade e, com ênfase, fizemos uma crítica a respeito da demora, até então para nós injustificada, no processamento dos referidos ofícios, isto porque referida demora possibilitava ao titular da conta "limpá-la" antes de se operar o bloqueio judicial. Enfatizamos, naquele momento; que se tratava da caracterização do processo de execução sem resultados, ou melhor, lembrando o dito popular: ganhar e não levar.
Foi a partir desse encontro que centenas de reuniões aconteceram, evidentemente com muitos percalços, como sói acontecer, porque eram homens e não anjos que estavam trabalhando para encontrar uma alternativa que desse rapidez ao procedimento de informação.
Nesses momentos, constata-se facilmente a presença do misoneísmo, que é sempre e em todo o lugar um severo obstáculo, mas que foi afastado graças ao idealismo e a determinação de João Goulart Júnior, funcionário comprometido com o interesse público que ousou enfrentar a consolidada e pacífica rotina bancária, anelado com o nosso compromisso de entregar ao jurisdicionado um processo de resultados. Não faltaram críticas e desconfianças com a idéia, mas havia um elemento de impulsão muito forte que era o amor ao trabalho eficiente.
Para relembrar e compreender as mudanças é importante mencionar que antes do Sistema de Atendimento às Determinações do
2A Gênese do Sistema "Penhora on Line"
Poder judiciário o Sistema Financeiro - BanceJud, as determinações judiciais eram feitas mediante o uso de papel, ou seja, por meio de ofício expedido pelo juiz ao Banco Central. Assim, o processo tradicional se traduzia na expedição de um ofício pelo juiz ao Banco Central; o BC, usando o Sisbacen- sistema de informações próprio que o liga a toda a rede bancária - comunicava ao sistema bancário a existência daquela ordem, e este, por escrito em papel, via correio, respondia à indagação do Poder judiciário.
Naquela época, os juízes solicitavam as seguintes providências ao Banco Central: (a) informações sobre existência de contas, saldos e extratos; bloqueio/desbloqueio de valores e comunicação de decretação/ou extinção de falências.
Largos e significativos passos foram dados, de um lado e de outro, para que, no final do ano de 2000, o Banco Central pudesse montar um sistema específico para atender a solicitação dos juízes e engajado no objetivo de colaborar com o judiciário na busca da Justiça, o que foi feito dentro do Departamento de Gestão de Cadastro e Informações do Sistema Financeiro - Decad.
O modelo de atendimento recebeu o nome de BanceJud e foi estruturado objetivamente nos seguintes passos: (a) foi criado um site de acesso restrito entre o Poder judiciário e o Banco Central pelo qual o juiz emitia a "ordem eletrônica"; (b) o Banco Central fazia o encaminhamento automático das ordens ao Sistema Bancário e este respondia via correio ao Poder judiciário. Assim, o banco, ao receber a solicitação por via eletrônica do Banco Central, respondia diretamente ao juiz, por escrito, via correio.
Para demonstrar o árduo caminho de aceitação do novo modelo e os efeitos da mudança de mentalidade dos juízes e partes, dando credibilidade ao novel modo de atendimento, observemos as seguintes informações: (a) em 2001 foram solicitadas, pelos juízes, via
3A Gênese do Sistema "Penhora on Line"
ofício, em papel, 81.521 informações, e no mesmo período as solicitações pela via eletrônica foram de apenas 524; (b) em 2002, o quadro começa a mudar: por ofício em papel foram solicitadas 105.029 operações, e eletronicamente foram 42.579; (c) em 2003, foram 118.000 por via impressa, e eletronicamente foram 258.031; (d) em 2004, os dados foram ainda mais animadores: 116.094 solicitações em papel e 467.033 na forma eletrônica.
O sucesso estava garantido, mas ainda podíamos melhorar. Por isso, em 2004, vem a idéia de avançar no projeto, e, com uso dos benefícios da tecnologia, foi idealizado o BanceJud 2.0, para corrigir o gargalo da versão 1, que era a resposta aos bancos por via postal, o que ainda acarretava atrasos e descrédito.
Além desta significativa melhoria, o BanceJud 2.0 teve como escopo: (a) integração com o sistema das instituições financeiras, as quais desenvolveram também sistemas informatizados para eliminar a intervenção manual; (b) redução significativa do prazo de processamento das ordens judiciais, estabelecendo o ciclo de 48 horas para todo o processamento; (c) automatização do cadastro de contas únicas, criado para evitar o bloqueio múltiplo.
Como se vê, o BanceJud 2.0 visa ao aperfeiçoamento e a integração do Judiciário como sistema das instituições financeiras de forma que os pedidos de informações, as ordens de bloqueio e desbloqueio e congêneres sejam feitos sem troca de ofícios escritos. Trata-se de providências no sentido de reduzir o prazo de processamento das ordens judiciais em busca de eficiência administrativa, possibilitando maior agilidade com a minimização máxima do trâmite de papéis. Além disso, o BanceJud 2.0 possibilita que o controle das respostas das instituições financeiras seja feito pelo juiz solicitante e que os valores bloqueados sejam regularmente transferidos para contas judiciais.
4A Gênese do Sistema "Penhora on Line"
É certo que mudanças tão significativas como estas podem gerar dúvidas e inseguranças quanto à lisura dos atos, quer nos aplicadores do direito, quer naqueles que sofrerão diretamente as conseqüências da rapidez com que os atos são praticados.
Assim, levando-se em conta que o BanceJud opera na área dita mais delicada do ser humano, que é o seu dinheiro, muitos mitos - ou podemos mesmo dizer lendas - foram criados em torno do novo modo de proceder do juiz e do Banco Central.
A "lenda" mais excêntrica é a de que o Banco Central fez um convênio com o Poder judiciário para que os juízes passassem a determinar bloqueio de valores em conta corrente. Ora, o trabalho nunca teve esse objetivo, até porque, desde a década de 80, os juízes já determinavam bloqueios por meio do ofício em papel. Repita-se, tudo o que se almejava era dar rapidez às determinações do Poder judiciário ao Sistema Financeiro para evitar a frustração nos processos de execução, mudando o paradigma "ganha mas não leva". O progresso e a prática de outros atos ou a facilitação na prática destes é fruto exclusivamente da boa intenção do Judiciário na melhora da prestação jurisdicional e do Banco Central em atender a contento as solicitações do Poder Judiciário.
Há outros "mitos" que também não têm fundamento, quais sejam: o de que o BanceJud só atende à Justiça do Trabalho; o de que os bloqueios sempre são totais e inviabilizam a atividade financeira do devedor na medida em que alcançam todas as suas contas; e o de que o BanceJud realiza o bloqueio imediato, mas que o desbloqueio custa uma eternidade.
A primeira afirmação está dissociada da própria origem do sistema, pois foi em contato e por obra de membro da Justiça Comum que ele se desenvolveu e, somente após, foi adotado, em várias cerimônias, pelos presidentes do TST e do STJ, de forma que o novo modelo foi idealizado para ajudar o Poder Judiciário brasileiro em sua totalidade.
5A Gênese do Sistema "Penhora on Line"
Quanto aos valores do bloqueio, por sua vez, deve-se ressaltar que este toma sempre valor determinado, de acordo com a especificação do juiz.
Por fim, a alegada demora no desbloqueio estava relacionada à resposta da instituição financeira que, na primeira versão do BanceJud, era efetuada pelo correio tradicional. Na versão 2.0, o tempo entre um bloqueio e um desbloqueio é de somente 48 horas.
Deste relato veracíssimo podem todos perceber que nossa motivação foi a de racionalizar os atos de informação para o processo, com vistas a eliminar as incontáveis frustrações que os credores vivenciam. O avanço daquela idéia simples, até culminar com o codinome "penhora on line", se traduz no reconhecido sucesso do método empregado e, também, na continuidade de esforços amealhados com valiosas colaborações para o aperfeiçoamento do serviço prestado.
É comum, no âmbito do Poder Judiciário observar grandes resultados decorrentes de idéia singelas cujos criadores, com o passar do tempo acabam esquecidos na grandeza da própria instituição. Um exemplo que pode ser citado e o relativo aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que nasceram da idéia singela dos juízes idealistas da nossa turma de 1976, do TJRS, que, na cidade de Rio Grande, abriram um terceiro expediente no fórum à noite, para receber os cidadãos necessitados de orientação do Poder Judiciário e que não tinham como acessá-lo.
Com efeito, pensamos que a incorporação, na Reforma do Poder judiciário e no âmbito da revisão da legislação processual, da denominada "penhor on line" deve ser recebida como um instrumento valioso de eficácia da jurisdição, não obstante existir um ponto merecedor de séria meditação dos juristas, qual seja, definir se o art 655-A do CPC instituiu uma nova espécie de penhora ou se, apenas, permitiu a adoção, no corpo do Código de Processo Civil, do método moderno e bem-sucedido
6A Gênese do Sistema "Penhora on Line"
de troca de informações e bloqueio de contas criado com o sistema BanceJud.
Os eventuais excessos ou equívocos cometidos nas ordens emanadas dos juízes, por causa do acesso privilegiado ao sistema para realizar bloqueios, sempre poderão ser corrigidos pelos tribunais na sua atividade revisora. O que não pode mais ocorrer, ao contrário, são os excessos quanto à duração razoável do processo na dicção constitucional.
Recebamos, pois, com boa vontade e bons olhos o disposto no art. 655-A do CPC, até porque nunca podemos ter a certeza de um dia não passarmos à posição que hoje nos parece privilegiada.

17 agosto 2008

Exame da prova testemunhal diretamente pelas partes e sua influência do Direito Processual Civil - Alterações ao Código de Processo Penal decorrentes

Exame da prova testemunhal diretamente pelas partes e sua influência do Direito Processual Civil - Alterações ao Código de Processo Penal decorrentes da Lei nº 11.690 de 09.jun.08.

Com a introdução no ordenamento jurídico brasileiro da Lei nº 11.690/08 foi instituído no direito processual penal a possibilidade de que as partes possam inquirir diretamente as testemunhas sem intervenção do juízo, é o que se observa do artigo 212 do Código de Processo Penal com a nova redação conferida pela lei citada: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”

A novidade reside na possibilidade de inquirir diretamente as testemunhas, o que antes somente se verificava com a intervenção do juiz que "encaminhava" as perguntas da parte a testemunha.

A alteração legal acima citada era defendida por notáveis juristas tendo em vista que as perguntas realizadas diretamente as partes traria maior agilidade e confiabilidade na colheita da prova.

Já opinaram neste sentido o Ministro do STJ Sálvio de Figueiredo Teixeira (A Reforma Processual Penal, BDJur): "Concede maior eficácia e agilidade para a instrução em plenário do Júri, instituindo claramente o critério do "cross examination", com as perguntas feitas diretamente às testemunhas e ao próprio acusado, pelo Juiz-Presidente, pelas partes e jurados, - tudo com a necessária atenção aos princípios da imediação e princípio da verdade material;".

Certo é que muitos juizes em varas cíveis e trabalhistas já utilizam, na prática, da inquirição direta de testemunhas, sem que isto configure violação a direitos das partes, ou afronta ao artigo 413 do Código de Processo Civil (Art. 413. O juiz inquirirá as testemunhas separada e sucessivamente; primeiro as do autor e depois as do réu, providenciando de modo que uma não ouça o depoimento das outras.).

Neste sentido, Fredie Didier Jr. já se manifestou quanto a aplicação da nova regra ao processo civil: "Corroborando a lição, as Leis Federais n. 11.689/2008 e 11.690/2008 alteraram o Código de Processo Penal para permitir expressamente a argüição direta das testemunhas pelas partes (arts. 212 e 473 do CPP). Ora, se no processo penal, onde as garantias para o acusado são observadas com ainda mais atenção, permite-se a inquirição direta pelas partes, nada justifica que se mantenha essa formalidade obsoleta no processo civil."

Tenho que a aplicação da inquirição direta das testemunhas no processo civil, além de priorizar a agilidade processual e a eficácia da instrução, tem sua aplicação possibilitada pela prática judicial, tendo em vista que muitos juizes se utilizam de tal forma de inquirição, sem que com isso incorram em nulidades, violação de direitos ou de garantias fundamentais.

Para aqueles que sustentam que a alteração do Código de Processo Penal não geraria efeitos no campo processual civil tendo em vista a existência de regra própria no Código de Processo Civil, torna-se necessário afirmar que a aplicação da nova regra prestigiaria os princípios da celeridade e instrumentalidade processual, podendo-se afirmar que sob o espectro de tais princípios não haveria qualquer divergência na aplicação da nova regra de processo penal.

Curioso notar que enquanto no Brasil o órgão jurisdicional atua de forma quase incessante na colheita da prova, em países como Estados Unidos da América e Espanha a realidade é outra.

José Carlos Barbosa Moreira (Temas de Direito Processual, Nova Série, Editora Saraiva, Rio de Janeiro, 2007, p. 43) narra o seguinte: "Aos advogados norte-americanos de modo nenhum lhes agrada que o juiz, participando ativamente da colheita das provas orais, 'roube' a cena de que desejam ser, eles próprios, os protagonistas."

Ainda para Barbosa Moreira (Idem, p. 45), "uma das chaves mestras utilizadas nessa atividade consiste no procedimento denominado discovery, cuja substância reside na possibilidade, que se abre aos advogados, de pesquisar e explorar fontes de prova fora do âmbito judicial. Compreendem-se nesse poder, v. g., a sujeição do adversário e de eventuais testemunhas a interrogatório sob juramento, sem a presença do juiz, o acesso a arquivos da parte contrária, a realização de exames médicos para determinar o respectivo estado de saúde físico ou mental".

Barbosa Moreira (Idem, p. 48) cita, também, o exemplo da Espanha que na "Exposição de Motivos, nº VI, da nova Ley de Enjuicamento Civil (nº 1, de 2000), lê-se que ela continua a inspirar-se no 'princípio dispositivo', segundo o qual - tem-se o cuidado de explicitar - 'não se entende razoável que incumba ao órgão jurisdicional investigar e comprovar a veracidade dos fatos alegados".

Vale registrar, no entanto, que o tema é sensível, e já não é de hoje, portanto a influência do órgão jurisdicional na colheita direta da prova é tratada de forma diversa tanto em países do sistema civil law como do common law.

Neste sentido, assim já se pronunciou aquele que é considerado por muitos o maior processualista de todos os tempos, Giuseppe Chiovenda (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 3ª edição, 2002, Bookseller, p. 138), para quem a “fim de evitar uma prova confusa e tumultuária, vedou-se às partes e aos procuradores interrogar ou interromper as testemunhas, devendo, para isso, dirigir-se ao juiz da prova (art. 243).

Sendo assim, considerando o modelo processual brasileiro com permissão de excessiva influência do órgão jurisdicional na colheita da prova, e considerando que a possibilidade de inquirição direta de testemunhas pelas partes tornaria a instrução processual mais célere, segura e efetiva, concluo afirmando que a nova regra contida no Código de Processo Penas não só pode, como deve, ser aplicada.

Registre-se que não se trata de advogar a revogação do artigo 413 do Código de Processo Civil, mas simplesmente harmonizar a nova regra contida no Código de Processo Penal ao processo civil, com vistas a garantir maior efetividade a instrução processual.

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Alexandre Lima de Almeida, advogado.

Publicado na Revista Jus Vigilantibus, Quinta-feira, 8 de janeiro de 2009.