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07 maio 2008

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Muitos juizes trabalhistas, não raro atendendo a requerimento de advogados, vêm aplicando o disposto no artigo 475-J do Código de Processo Civil em processos trabalhistas, ou seja, impõem a multa prevista em tal dispositivo acaso não observado o prazo de 15 dias para pagamento da obrigação.

O referido dispositivo representa real progresso legislativo, pois, dentre outras alterações que visam a celeridade processual, a Lei n° 11.232, de 22 de dezembro de 2005, que o instituiu, criou também a figura da impugnação, substituindo os embargos à execução, ou embargos do devedor, que ficam, atualmente, e no processo civil, restritos a fazenda pública e às execuções fundadas em título executivo extrajudicial.

Vale observar que o referido dispositivo de lei não pode ser aplicado ao processo do trabalho, sobretudo porque a Lei n° 11.232, de 22 de dezembro de 2005, objetivamente, transformou o processo de execução – ao contrário do que permanece no processo do trabalho – em fase de execução.

Neste sentido, no sistema processual civil, o momento de execução do julgado passou a ser mero desdobramento da fase de conhecimento, ou seja, trata-se do denominado processo sincrético.

No processo do trabalho, por óbvio, continua vigorando a sistemática tradicional, inalterada neste ramo, uma vez que continuam existindo os embargos à execução (Art. 884 e seguintes da CLT) e o processo de execução (Art. 876 e seguintes da CLT).

Registre-se, neste sentido, que os embargos à execução guardam natureza jurídica de ação autônoma, enquanto a impugnação, prevista no artigo 475-J § 1º do Código de Processo Civil, tem natureza jurídica de incidente processual.

Tal observação faz-se necessária, pois a análise do dispositivo requer interpretação sistemática e, assim, integrando o caput do dispositivo (art. 475-J do CPC), aos seus parágrafos que o regulam.

Sendo assim, o artigo 475-J § 1º do Código de Processo Civil, determina que o executado (devedor) apresente impugnação, após intimação do auto de penhora e avaliação, requerido expressamente pelo exeqüente (credor).

Neste sentido, vale conhecer a lição de Leonardo Greco
[1]

“12. Impugnação do devedor.
A impugnação do devedor, prevista no § 1° do art. 475-J e nos artigos 475-L e M é a modalidade de defesa do devedor nesta fase processual, que substitui os antigos embargos do devedor.
Foram atendidos, ao menos em parte, os reclamos da doutrina sobre o anacronismo dos embargos
[2], estabelecendo-se que a nova impugnação do devedor não terá efeito suspensivo automático (art. 475-M. caput), salvo se o juiz lhe reconhecer fundamentos relevantes e que o prosseguimento da execução “seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação”, mas, mesmo nessa hipótese, o exeqüente poderá evitar a suspensão da execução com a prestação de caução ( §1º).
Dispensa-se a autuação em separado da impugnação quando tiver efeito suspensivo. e substitui-se a apelação pelo agravo de instrumento como recurso cabível contra a decisão da impugnação.
Esse efeito suspensivo me parece ter todas as características de uma medida cautelar, sujeito, portanto, à revogabilidade a qualquer tempo, nos termos do art. 807 do CPC.
O prazo para o oferecimento da impugnação é o de 15 dias, a partir da intimação da penhora (art. 475-J, § 1º). Duas questões precisam ser elucidadas: 1) se a penhora é pressuposto de admissibilidade da impugnação, como hoje em razão do art.737-I; e 2) se a impugnação somente pode ser oferecida no prazo de quinze dias da intimação da penhora, sob pena de preclusão. Lamentavelmente, parece-me que não só a redação do preceito em comento, mas também a aplicação subsidiária das regras da execução de título extrajudicial (art. 475-R), pelo menos enquanto estas não forem modificadas, induzem à conclusão de que a garantia do juízo através da penhora continua a ser um pressuposto de admissibilidade da impugnação.
E assim já fica em parte respondida também a segunda questão, pois antes da penhora não será cabível o exercício da defesa do devedor através da impugnação, ainda que este, antes da penhora ou diante da impossibilidade da sua efetivação, resolva intervir no processo e alegar alguma matéria de defesa que continuará a ser possível através da chamada exceção de pré-executividade que, assim, sobreviverá.”


Outrossim, a aplicação do referido dispositivo, que exige o pagamento antecipado, e prevê a modalidade de impugnação substituindo os embargos à execução, apresenta-se incompatível com as regras inerentes ao direito processual do trabalho, uma vez que a CLT prevê tratamento específico para o processo de execução, ainda existente no processo do trabalho.

Neste sentido, os embargos à execução encontram-se previstos nos artigos 884, e seguintes da CLT, e o processo de execução nos artigos 876, e seguintes da CLT.

Sendo assim, a decisão de mérito que determinar a aplicação do referido dispositivo afrontará o disposto no artigo 8º, parágrafo único, da CLT, vejamos:

Art. 8° - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

No mesmo sentido, a decisão de mérito violará o disposto no artigo 769 da CLT, vejamos:

Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Sobre o dispositivo acima, e a aplicação de legislação alienígena ao Processo do Trabalho, Wagner D. Giglio2 assim se pronuncia:

“Este texto não deve, porém, ser interpretado de maneira que, a cotrário senso, se concluam incidentes no processo trabalhista todas as disposições do CPC que sejam compatíveis com as normas do Título X da CLT: a compatibilidade é requisito necessário, não suficiente.
Em outras palavras, não basta que a norma do Código de Processo seja compatível para ser automaticamente aplicada ao processo trabalhista, pois o Título X da Consolidação não esgota o Direito Processual do Trabalho, espraiado em bom número de textos legais extravagantes, isto é, não insertos na CLT: se esses diplomas estabelecem regras de processo não há omissão a autorizar o recurso ao direito processual comum.
Em suma: havendo norma jurídica trabalhista, ainda que não consolidada, sua aplicação se impõe, ficando reservado ao Direito Processual Civil apenas a tarefa de suprir lacunas do processo do trabalho.”



A Jurisprudência trabalhista já vem apresentando seu entendimento quanto a inaplicabilidade da multa, vejamos recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho, em acórdão
[3] recentemente publicado cujo Relator foi o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga:


“Discute-se se aplicável no processo do trabalho a norma inscrita no art. 475-J da CLT, que determina multa de 10% ao executado, se não pagar a dívida no prazo de quinze dias. Retrata tal medida coercitiva um estímulo à efetividade do processo, diante do longo tempo entre o reconhecimento judicial do direito e o pagamento da dívida executada. No entanto, é necessário verificar se a nova regra se aplica à execução trabalhista, visto que enquanto a CLT d e termina a citação em 48 horas, sob pena de penhora, a regra processual civil determina a majoração do valor da execução em 10%, se não adimplida a obrigação no prazo de quinze dias, remetendo à regra do art. 614, II, do CPC, que
dispõe: Art. 614 - Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial: (...)
II - com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa; (Alterado pela L-008.953-1994) (...) A regra contida no art. 880 da CLT contém prazo de 48 horas para que se proceda ao pagamento da execução, após a citação, embora não haja cominação de multa pelo inadimplemento. Para se deixar de considerar a regra contida no art. 880 da CLT criar-se-ia verdadeiro imbróglio processual, não só em relação ao prazo para cumprimento da obrigação, mais dilatado no processo civil, como também em relação à penhora. Ou seja, deveria o julgador cindir a norma legal para utilizar o prazo de 48 horas, menor, da CLT, com a multa disciplinada no CPC, ou se aplica o prazo do CPC, maior que o da CLT, com a multa e a penhora. Considerando-se que a regra processual civil conflita, em relação ao prazo e à cominação contida no dispositivo da CLT, é incompatível a regra ali contida, o que impossibilita a sua aplicação, nos exatos termos do art. 769 da CLT. O rito, inclusive, no processo do trabalho é diferenciado, pois determina a citação por Oficial de Justiça, conforme prevê o §2º do art. 880 da CLT. Ressalte-se, ainda, que há expressa previsão no art. 882 da CLT, quando do não pagamento da dívida no prazo legal, a gradação a ser respeitada, mediante dinheiro ou
penhora: Art. 882 . O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no Art. 655 do Código Processo Civil. O dispositivo não possibilita verificar que há lacuna no processo de execução, pois ao remeter ao não pagamento da execução, explicitamente determina que seja garantida a execução, observada a gradação contida no art. 655 do CPC. Não fosse isso, o art. 883 da CLT, explicitamente determina: Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância dacondenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial.
Dou provimento ao recurso de revista para determinar a exclusão da multa do art. 475-J do CPC.”



Os demais tribunais trabalhistas também vêm corroborando a tese acima exposta:


EMENTA
EMENTA: MULTA PROCESSUAL PREVISTA NO ARTIGO
475-J DO CPC - INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. As inovações verificadas no processo civil objetivam simplificar e acelerar os atos destinados à efetiva satisfação do direito reconhecido por sentença. Contudo, tais modificações não se aplicam inteiramente à esfera trabalhista, especificamente a multa do artigo 475-J, parágrafo quarto, do CPC, uma vez que a CLT possui disposição específica sobre os efeitos do descumprimento da ordem de pagamento, qual seja, o direito à nomeação de bens previsto no artigo 882 consolidado. Diante da existência de regramento próprio no processo do trabalho para que o devedor seja compelido ao efetivo cumprimento das sentenças proferidas, não há se falar em aplicação supletiva de outra norma, cabível apenas se omissa fosse a legislação específica do trabalho e, ainda assim, se não existisse qualquer incompatibilidade.[4]

EMENTA
EMENTA: MULTA PROCESSUAL - ART.
475-J DO CPC - PROCESSO DO TRABALHO. O art. 475-J do CPC, introduzido pela Lei n. 11.232/2005, que modificou o regime de liquidação e da execução de sentença no processo civil, prevê a aplicação de multa processual em caso de descumprimento da sentença no prazo de quinze dias.
É certo que a modificação introduzida no processo civil teve como finalidade simplificar e acelerar os atos destinados à satisfação do direito reconhecido por sentença. Contudo, as inovações trazidas com a Lei n. 11.232/2005 não se aplicam integralmente ao processo do trabalho, especialmente a aplicação da multa prevista no art.
475-J do CPC, uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho tem disposição específica sobre os efeitos do descumprimento da ordem de pagamento, qual seja o direito à nomeação de bens (art. 882/CLT) o que não mais subsiste no processo civil. Portanto, in casu não se aplica a norma do processo civil, ante a existência de regras próprias no processo do trabalho para que o devedor seja compelido ao efetivo cumprimento das decisões trabalhistas.[5]



Assim, não há como aplicar outra fonte legal, se o direito do trabalho já traz previsões legais específicas que regulam a matéria trabalhista, razão pela qual se exige mais do que cautela quanto a aplicação de alterações legislativas, a princípio, inovadoras, mas que podem geram nulidades ou violações a princípios e garantias fundamentais.

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[1] PRIMEIROS COMENTÁRIOS SOBRE A REFORMA DA EXECUÇÃO ORIUNDA DA LEI 11.232/05
[2] V. Leonardo Greco, O Processo de Execução, vol.II, págs. 582/587.
2 Direito Processual do Trabalho, Editora Saraiva, 12ª edição, 2002, São Paulo, p. 158.
[3] TST – 6ª Turma - NÚMERO ÚNICO PROC: RR - 668/2006-005-13-40 - PUUBLICAÇÃO: DJ - 28/03/2008

[4] TRIBUNAL: 3ª Região - DECISÃO: 17 12 2007 - TIPO: RO NUM: 00920 ANO: 2007 - NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 00920-2007-058-03-00-3 - TURMA: Oitava Turma – FONTE DJMG DATA: 30-01-2008 PG: 31 - RELATOR Heriberto de Castro
[5] TRIBUNAL: 3ª Região - DECISÃO: 30 05 2007 - TIPO: RO NUM: 00089 ANO: 2007 - NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 00089-2007-078-03-00-4 - TURMA: Quarta Turma – FONTE - DJMG DATA: 12-06-2007 PG: 18 - RELATOR Júlio Bernardo do Carmo

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Alexandre Lima de Almeida, advogado.

Publicado no site COAD em dezembro de 2008